“Olhe à sua volta.
Ainda acha que não precisa de um arquitecto?”
Slogan da campanha lançada pela Ordem dos Arquitectos em Outubro de 2013.
A causa próxima para o lançamento no final do ano passado desta campanha pela Ordem dos Arquitectos foi certamente a crise económica que sobre todos se abateu, remetendo o país da tróica ao marasmo, arrasadora do mercado da construção, determinando o fecho de um sem número de escritórios de arquitectura no Porto, e de um sem número de ateliers em Lisboa, como numa e noutra se denominam, e uns quantos mais por todo o lado, lançando no desemprego um ainda maior número de arquitectos, e impedindo o acesso à profissão dos recém-formados.
Revogado em 2009, o famigerado Decreto-Lei 73/73, que permitia a todos projectarem tudo, quando muitos engenheiros projectavam arquitectura e uns quantos arquitectos projectavam engenharias, e findo agora o prazo de cinco anos de transição para a sua plena entrada em vigor, não fora a crise e aparentemente não haveria falta de trabalho para os arquitectos, dispensando qualquer campanha publicitária.
Mas novas atitudes culturais não se tomam por Decreto, e nem tão pouco com uma boa campanha publicitária, mas o estado de puro analfabetismo cultural em relação à Arquitectura e ao trabalho dos Arquitectos assim obrigou.
Pese a crise nenhuma outra reconhecida profissão teve necessidade e nem faria sentido de chamar a atenção para o que pode ser alterado com a sua intervenção, mostrando bem o reconhecimento, ou melhor a falta dele, que a sociedade em geral tem pela classe.
Para que tenhamos consciência do nosso desfasamento relativo ao reconhecimento dos arquitectos, tomando por exemplo a França, a lei de separação das águas de projectos, que como referi, aqui em Portugal entrou agora em vigor, aconteceu lá nos anos 70 do século passado!
Mas cá as diferentes pressões ditadas pela ignorância e pela ganância acrescidas das facilidades concedidas pelos próprios arquitectos remeteram este estado de coisas à situação em que ainda nos encontramos em 2014, e por isso é preciso chamar a atenção para o que pode ser alterado à nossa volta pela intervenção dos Arquitectos.
E essa alteração em que sentido se fará? Para melhor ou para pior?
Para melhor, espero eu que sou optimista, ainda que com alguma desconfiança, quando nos confrontamos todos os dias com as humilhações a que a zona histórica vai sendo sujeita e onde só arquitectos projectam, ou com a Calheta de Pêro Teive também obra de arquitecto, ou com tantos outros casos que aqui venho denunciando, e que todos infelizmente bem conhecemos, demonstrando que a mediocridade não pertence somente aos “curiosos do projecto”, e que também tantas vezes é provocada pelo defeituoso sistema de encomenda, onde só o modelo económico referenda.
A profissão é recente, nascida essencialmente com a especialização que a revolução industrial veio impor, mas julgo que ainda não perdeu a ideia de que a Arquitectura era atributo dos Mestres e dos Engenheiros, de que estes bem se aproveitaram, e por culpa dos Arquitectos que nascidos nas Belas Artes sempre tiveram grandes dificuldades para delas se libertarem, cultivando a boémia e a irresponsabilidade que aí grassavam.
Aqui cabe o episódio que me foi contado pelo arquitecto Gomes de Menezes bem elucidativo da situação:
- Em determinada obra ao cumprimentar o Encarregado, este trata-o de Senhor Engenheiro, ao que o arquitecto retorquiu:
- Não sou Engenheiro! O Senhor não sabe que sou Arquitecto?
Ao que prontamente o Encarregado respondeu:
- Desculpe, era um respeito…
A vinda do curso de Arquitectura para a Universidade Técnica é ainda muito recente, e foi acompanhada de uma desmedida proliferação de cursos (trinta e tal), trucidados pelo facilitismo do Processo de Bolonha que a meu ver em nada ajudou ou melhorou a situação, e por tudo isso apesar do reconhecimento internacional de alguns arquitectos portugueses, a profissão em casa ainda não se fez, o seu reconhecimento é escasso.
E só assim se compreende que ainda exista no arquipélago um conjunto significativo de Câmaras Municipais e Empresas Públicas que não dispõe de arquitectos nos seus quadros, pese necessariamente a importância de tratar os territórios da sua jurisdição, e que assim sendo, se vão atamancando pelos tais “curiosos”, com resultados à vista.
A proporção existente entre o número de arquitectos nos Açores e a sua população permitiria à partida outro estado de coisas, mais benéfico para ambas as partes, dispensando a campanha publicitária ou qualquer “Catálogo dos Arquitectos Endógenos”, não fora o desconhecimento reinante que à Arquitectura assiste, proporcionador da manada de Elefantes Brancos de que já dispomos, e que recentes notícias indiciam que ainda não nos satisfaz.
Mas o reconhecimento faz-se também de dentro para fora, alicerçado em princípios éticos que nos vão faltando, abandonando os vícios que nos são tão frequentes de desprezo de pragmatismo e arrogância cultural, traduzidos numa mera assunção de feitios, e alargando a prestação de serviços, sempre tão constrangida ao projecto, abrangendo outro leque de decisões no campo do planeamento, do urbanismo, do desenho urbano, do traçado das vias, dos orçamentos, do controlo de custos, da fiscalização, da direcção de obras ou da elaboração de programas de encomenda de projectos ou de obras, abraçando melhor a produção, indispensável àquelas entidades que por ignorância e receios ainda não reconhecem a classe.
Só esse reconhecimento um dia permitirá outras políticas em prol da Arquitectura, em defesa dos nossos profissionais e da identidade da nossa Arquitectura, da sua importância para todos, de como ela pode fazer a diferença de territórios, como aquela que a Noruega hoje propõe afirmando em exposição patente em Coimbra, a promoção da sua Arquitectura, no respeito da sustentabilidade de que a obra pública é um exemplo.
Para quando e aqui, neste reduzido universo privilegiado pela natureza, o reconhecimento da importância da Arquitectura?
Já piscou o olho à boa Arquitectura?