Desde há algum tempo a esta parte uma das palavras que mais se ouve na política portuguesa é "consenso". A escolha de palavras encerra nela própria um significado que importa descortinar. "Consenso", neste contexto, significa unanimidade, ou quase, em torno de algo. Interessante é verificar que a expressão "procurar consensos" é actualmente utilizada pelos partidos do governo, pelo PS e pelo mais acérrimo defensor do "consenso", Cavaco Silva, normalmente sem se especificar em torno de que assunto(s) deve existir o tal "consenso". A ausência de um assunto em torno do qual esse consenso é tido como essencial pode significar uma de duas coisas: ou é um discurso oco destinado apenas a passar a ideia de que esses partidos estão a procurar entender-se para, alegadamente, resolverem os problemas do país, o que poderá ser uma reacção à ideia populista de que a discussão e discordância interpartidária são causas da decadência da democracia e por isso um mal a combater; ou que o consenso deve ser atingido em todos os assuntos decisivos para o futuro d@s portugues@s.
Qualquer uma das teses é preocupante e perigosa para a democracia, para a procura de alternativas e para a capacidade de decidir, de fazer escolhas, de não desistir, para o inconformismo, que é essencial à democracia e ao avanço da sociedade. A primeira tese, de que a insistência num consenso é uma resposta mal amanhada ao descontentamento com a política poderia ser, teoricamente, válida, não tivesse a realidade já demonstrado que a segunda explica muito melhor a obsessão pelo consenso.
Na verdade, o anúncio de um "consenso" entre PS, PSD e CDS seria apenas a admissão de que todo o centro político português, naquilo que interessa, está de acordo. Aliás, há muito tempo que chegaram a um consenso muito alargado ao longo das últimas décadas e, principalmente, nos últimos anos.Vejamos: chegaram a um consenso sobre o Tratado Orçamental, que impõe a austeridade como instrumento para o retrocesso social e económico; chegaram a consenso sobre a entrega de sectores estratégicos a privados que depois lucram com estes, subindo os preços de bens e serviços essenciais; chegaram a consensos sobre a liberalização e precarização do mercado de trabalho, dando toda a liberdade aos patrões para despedir e abusar cada vez mais da força de trabalho de quem não tem outra forma de subsistência; chegaram a consenso sobre cortar salários e pensões; chegaram a consenso sobre a necessidade imperiosa da austeridade (embora o PS diga que a prefere mais light e prolongada), laçando centenas de milhar no desemprego e obrigando tanta gente à emigração forçada. E poderíamos continuar nisto por muito tempo.
Quem está na oposição, neste caso o PS, tem mais dificuldade em admitir esse consenso porque quer regressar ao poder. Admitir que em nada difere de quem está no poder inviabilizará o seu regresso ao governo. Quem está no governo, PSD e CDS, quer admitir o consenso pois dessa forma desmascara o PS, revelando a coincidência dos seus programas.
A democracia vive da construção de alternativas e de escolhas e não de consensos. Hoje a construção da alternativa não está no arco dos consensos mas na rejeição da austeridade em todas as suas facetas (incluindo o Tratado Orçamental), está na concentração de esforços na criação de emprego, na renegociação da dívida em favor do devedor, na defesa e reconstrução dos serviços públicos, no controlo popular e democrático dos sectores estratégicos do país, procurando também, ao nível europeu, alianças para esta política alternativa.
Este é um tempo de escolhas.