“Estamos a voltar ao antigamente, com coisas muito semelhantes. Ninguém pode viver à mercê da boa vontade dos outros. Surpreende-me a capacidade de mobilização para estes movimentos (de dito apoio social e solidário), mas não para discutir as leis e lutar pelos direitos das pessoas. Esta caridadezinha não é liberdade. Isso é capitalismo selvagem”.
Rita Blanco (artista)
É frequente ouvir-se a frase “Precisamos dum novo 25 de Abril”. Já se fazem inquéritos de rua e entrevistam-se figuras eminentes de vários quadrantes políticos, empresariais, universitários, culturais, sindicais e outros. As opiniões divergem…, mas há uma constatação comum: algo está mal.
A esperança nascida com o 25 de Abril de 1974, transcrita na nossa Constituição, apontava para mais justiça social e económica; igualdade de direitos no acesso à saúde, ao ensino e ao trabalho; liberdade de expressão e associação. Em teoria, tudo isto parece ser verdade, mas a realidade é bem diferente.
Os sucessivos governos não alteraram, e até criaram, as leis que protegem indecentemente os mais poderosos em detrimento dos mais desfavorecidos. O nosso sistema de saúde e o ensino encaminham-se para o retrocesso aos tempos do fascismo em que só os poderosos tinham acesso a saúde de qualidade e ao ensino superior. O direito ao trabalho é, cada vez mais, uma miragem e transforma-se, progressivamente, em obrigação de desemprego.
Podemos falar e protestar em liberdade, mas a máquina propagandista da inevitabilidade, na sua ânsia de pregar a necessidade do suicídio económico coletivo, está de tal forma montada que abafa e distorce deliberadamente os objetivos dos protestos e cria medo. Medo de represálias no acesso ao trabalho, medo de ser preterido na carreira profissional, medo de ser apontado como malandro. Quanto maior é o medo, menor é a esperança.
Há vinte anos, os nossos governantes venderam a nossa agricultura, comprometeram as nossas pescas e deixaram destruir a nossa, já de si débil, indústria. Decidiram gastar dinheiro em betão e alcatrão endividando o país com investimentos não reprodutivos. Agora dizem que nos endividámos porque vivemos acima das nossas possibilidades. A solução preconizada é voltar a empobrecer a classe média e tornar os pobres miseráveis.
Que dívida é esta? A quem devemos?
A dívida das famílias prende-se, essencialmente, com o crédito à habitação e com o crédito automóvel. São créditos domésticos, ou seja, dívidas contraídas junto da banca nacional. De igual modo, o crédito obtido pelas nossas empresas é também, quase na sua totalidade, junto da banca nacional. Então, a quem devem aqueles que estão a ser obrigados a pagar a dívida externa do país?
Enganaram-nos dizendo que foi pedida ajuda externa porque já não havia dinheiro para pagar ordenados, e continuam a insistir nessa mentira. Nada mais falso. O dinheiro faltou, sim, mas para pagar as dívidas que o governo contraiu em benefício da especulação financeira. Porém, o ‘elo mais fraco’ é que serviu de bode expiatório e arcou com as consequências.
Enquanto houver pessoas a sobreviver de caridadezinha, à mercê da boa vontade dos outros; enquanto alguém tiver que lutar por direitos em vez de os exercer; enquanto houver medo e faltar a esperança, não é necessário um novo 25 de Abril, o que falta é cumprir Abril.