2 eleições lá fora, que também são cá dentro

Esta semana é recheada de emoção: entre eleições na França, no Reino Unido e um debate nos Estados Unidos da América, não falta matéria para explorar. As eleições no Reino Unido serão esta quinta-feira, 4 de julho; as francesas terão a primeira-volta a 30 de junho e a segunda a 7 de julho.

Podemos começar pelo Reino Unido, aquelas que parecem as eleições mais previsíveis, com as sondagens a indicarem uma pesada derrota para os conservadores no poder há 14 anos. É o resultado de um acumular de escândalos, desde as festas durante a pandemia às apostas sobre a data das eleições antecipadas. Note-se que depois do Brexit, coube a Theresa May liderar o país, acabando por demitir-se e levar a antecipadas em 2019, que levaram Boris Johnson ao poder. Por sua vez, Johnson demitiu-se em 2022 ao fim de vários escândalos. Sem eleições nacionais, só internas ao Partido Conservador, Liz Truss chega ao poder. 44 dias depois demite-se. É assim que Rishi Sunak chega ao poder: numas eleições internas no Partido Conservador em que só são auscultados os deputados conservadores. Trata-se de um ambiente com um travo claramente amargo. Talvez uma das medidas mais emblemáticas de Sunak seja o «parem os barcos» [1]. A desumanidade é abismal. O serviço nacional de saúde, que era uma jóia da coroa, é visto como estando ao abandono. O mais extraordinário não é a pesada derrota que os conservadores vão sofrer, mas sim os trabalhistas, partido que ganhará, não ter uma visão mais clara e consequente. O investimento público previsto é quase insignificante, principalmente comparado com o Labour de Corbyn. O governo muda, provavelmente haverão melhorias, mas não se esperam diferenças que impactam realmente as pessoas.

Em França a maioria presidencial vai ficar reduzida ao terceiro lugar, a extrema direita ganhará as eleições e o segundo lugar caberá à coligação de esquerda, a Nova Frente Popular. Ao ver as reportagens das nossas televisões afigura-se um padrão: só se mencionar a NFP no fim e fazê-lo considerando-a o extremo oposto à extrema-direita. Esta é uma vitória do discurso de Macron. A forma acrítica como isso é feito, leva a que se veja uma coligação, que inclui o centro-esquerda, como um perigo à democracia, quando o seu programa inclui propostas como aumentar o salário mínimo; a gratuitidade do acesso à escola; reverter a reforma às pensões de Macron e colocando a idade da reforma nos 60 anos, de novo; taxar as grandes fortunas; ajuda à Ucrânia;... Isto só é um perigo a Macron, por se ter um programa que dá prioridade às pessoas, ao mesmo tempo que é alternativa à extrema-direita. É particularmente chocante ao vermos os ataques que são feitos a um programa apoiado por centenas de economistas, sendo que a economia de França tem vindo a piorar no governo de Macron [2].

Isto não é, contudo de espantar, mais uma vez, em maio, André Ventura foi o político com maior tempo de antena nas notícias televisivas portuguesas [3]. Ao mesmo tempo, chama aos jornalistas de inimigos [4]. Há uma luta pela hegemonia cultural muito violenta a tomar lugar.

[1] https://www.publico.pt/2024/04/23/mundo/noticia/reino-unido-aprova-deportacao-migrantes-ruanda-2087965

[2] https://eco.sapo.pt/2024/06/30/defice-e-divida-elevados-poem-franca-no-caminho-de-ser-o-enfant-terrible-da-uniao-europeia/

[3] https://www.marktest.com/wap/a/n/id~2ae3.aspx

[4] https://expresso.pt/politica/eleicoes/europeias-2024/2024-06-07-ventura-manipula-video-imita-frase-de-trump-e-acusa-jornalistas-voces-sao-inimigos-do-povo-035e0108