Há duas semanas escrevi aqui sobre a solidão na terceira idade, a partir de um diálogo ouvido num autocarro portuense. Se a memória não me engana, já em outros momentos dei alguns toques no assunto. Um dos privilégios de fazer campanhas é ter a oportunidade de falar com várias entidades e, numa região que também envelhece, o bem-estar na terceira idade é algo que me tem ficado sempre presente no pensamento. O que gostaria de trazer hoje tem mais que ver com o modo de abordar o assunto.
Antes disso, permitam-me justificar o interesse no tema. Desde logo, posso apontar as razões de há duas semanas: «Primeiro, porque nós, os cegos de agora, um dia estaremos na mesma posição. Segundo, são os nossos pais e avós. Terceiro, são quem construiu o mundo em que vivemos. Quarto, são os mais prováveis de serem vistos como sábios, pela potencial maior experiência de vida». A terceira idade afeta-nos em toda a linha, enquanto familiar, enquanto cidadão, enquanto contribuinte, enquanto nós próprios. O que quero implicar com isto é aquilo que tenho mais consistentemente vindo a afirmar: a necessidade de um pensamento sistémico, particularmente, um pensamento político neste formato. Tudo está relacionado com tudo, pelo que devemos ser capazes de articular, quer seja pela própria consequência de uma medida em várias dimensões, como pela comparação, paralelismo, história,… E aqui chego a um interesse que me diz respeito particularmente: os jovens têm mais em comum com os idosos, do que com quem está em idade ativa. Que se note que estou a falar enquadrado nesta visão de perceção social, até preconceito etário, de vivência social. Falamos de pessoas que vistas como dependentes e inúteis no seu presente para a sociedade, sendo a grande clivagem os jovens terem a utilidade em potência e os idosos não.
Toda esta introdução serve para que não caiamos no erro de levar o tom da defesa dos direitos e interesses de idosos como a ajuda a necessitados, a indivíduos sem voz, que precisam de ser levados ao colo. No fundo, como coloquialmente se diz, «coitadinhos». Isto é de uma arrogância extrema pela superioridade, completamente absurda, que cria, como pela cegueira, pela falta de horizonte que denota.
A interseccionalidade é um daqueles termos contemporâneos que por aí vão andando e ganhando espaço nas discussões académicas. Como de costume, nada mais é do que a reformulação de outro pensamento anterior como a hegemonia cultural ou, arrisco-me a dizer, o cosmopolitismo ético. Na prática, estamos a falar da união das lutas, dos interesses, particularmente de grupos marginalizados. Neste caso, jovens e idosos têm em mão a tarefa de arrumar o idadismo na nossa sociedade. A tarefa é mostrar como são forças dinâmicas da sociedade, como abrem novos horizontes na sociedade, principalmente através da ousadia e da experiência, respetivamente. Cada novo ser humano é uma nova esperança de melhoria do mundo, é uma voz que deve ser ouvida – sempre, independentemente da idade. E o envelhecimento, independentemente da idade, deve ser ativo. Se não temos condições para estas duas premissas, falhámos.
Claro que esta tarefa só é desempenhada se se ganhar espaço na agenda mediática e política. Por isso, é importante vermos estas faixas etárias a aproximarem-se do mundo da política e reivindicarem uma voz – sendo, claro, fiéis aos seus interesses, não se alienando por alguma razão, como muitas vezes acontece.
As discussões sobre faixas etárias devem ser conduzidas com empatia, mas não condescendência, sob pena de se abrir clivagens geracionais que impedem um diálogo estrutural.