Por diversas vezes abordei neste espaço de opinião a ausência de instrumentos de regulação do crescimento do turismo nos Açores. Desde a suspensão parcial do Plano de Ordenamento Turístico dos Açores, em 2010, que os Açores observaram um cenário de crescimento desregulado da oferta turística.
Chegados a 2022, e depois de sucessivos adiamentos que ainda vêm do tempo pré-pandemia, chegou ao parlamento o novo documento regulador do turismo na região. Agora sob a designação de Programa de Ordenamento Turístico, o que o governo nos apresenta é, para começar, um livro de história. A proposta recorre a dados pré-pandemia para planear o que se pretende a partir de 2022. Não sei se por inércia ou esquecimento o governo considerou que nada de relevante e merecedor de registo se passou desde então. Devem ser as únicas pessoas no mundo com essa opinião.
Mas o mais relevante nem é isso. O que o atual governo pretende fazer é, nesta área, exatamente o mesmo que o anterior governo do Partido Socialista pretendia. É que o documento submetido ao parlamento pelo governo do PSD/CDS/PPM é quase ipsis verbis o colocado em consulta pública pelo último governo do PS.
Não terei espaço nesta crónica para mergulhar a fundo no vasto e denso conteúdo da proposta mas em linhas gerais o que este programa faz, mais do que regular, é tão e somente traçar cenários sem impor limites ao crescimento. E onde impõe limites, nomeadamente na dimensão dos hotéis, logo se trata de os esburacar, qual queijo suiço, com excepções amiúde para os grandes projetos de interesse regional - o mesmo é dizer de interesse de um ou outro empresário.
Ora, se a intensidade turística, definida como o rácio entre o número de dormidas e a população residente na região, atinge um determinado patamar, passa-se ao cenário seguinte e assim por diante até se rever de novo o dito programa. É como ir em excesso de velocidade e, em vez de travarmos, aumentássemos o limite de velocidade ao sabor do peso do pé do piloto de rallye que há em cada um de nós. Se o trânsito fosse gerido como o governo quer gerir o turismo nos Açores, o limite de velocidade nas nossas sinuosas estradas regionais seria de 200 km/h.
Ora, esta desregulação velada só pode levar à insustentabilidade. Em primeiro lugar à vida de quem nestas ilhas vive. Mas também, e paradoxalmente, a ausência de limites ao crescimento levará à insustentabilidade de muitas empresas do setor da hotelaria. A equação é fácil: a ausência de limites levará ao aumento desmesurado da oferta, financiada com subsídios públicos a 85% (que, com jeito, chega perto de 100%), que por sua vez pode esmagar os preços e aumentar a sazonalidade. Muitas pequenas e médias empresas não sobreviverão.
É preocupante ver alguns dos maiores interessados em regular a oferta a bradar contra o excesso de regulação que dizem que esta proposta acarreta. É da natureza do capitalismo a busca do crescimento infinito mas também é característica humana a luta pela sobrevivência. Infelizmente, o deslumbramento com os potenciais proveitos com a primeira é capaz de se sobrepor à segunda característica.
Mas este programa e acima de tudo este caminho para os Açores - que não é só no turismo, é também do modelo de desenvolvimento que queremos - não é uma inevitabilidade. Não temos de ter a mesma opinião sobre onde queremos ir nem a mesma opinião perante tempos e cenários distintos. Mas não deve ser difícil a maioria concluir que não devemos ir por aí.