Cultura precisa-se

«Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive» (Ortega e Gasset). A cultura é um termo de uma abrangência imensa, estica-se desde a herança que temos de quem nos precedeu, às formas de produzir arte com que nos deliciamos, mas também é um conjunto de protocolos. Aplicamos esta palavra de muitas formas e todas elas comunicam entre si: esta noção de revelar o génio humano. Cultura vem do latim colere, que significa cuidar, crescer, cultivar,… Artefactos, normas morais, danças, músicas, filmes, séries, os géneros e toda a diversidade com que se diversificam, são o testemunho de que o Homem é capaz de criar o seu próprio mundo. É nesta cultivação que se tem de apostar quando temos por objetivo formar uma sociedade voltada para a proeminência do pensamento.

Disciplinas com História, Filosofia, Psicologia,… levam-nos a visitar tempos e espaços com pessoas que norteavam a vida de formas muito diferentes entre si, justamente por terem uma cultura diferente. É importante percebermos que cultura moral, comportamental, está claramente ligada à cultura artística. Um filme pode fazer tanto ou mais trabalho político que um discurso do José Bolieiro. Se as disciplinas que elenquei são testemunhos daquilo que foi produzido, foquemo-nos numa que é produtora: Português. Mesmo ignorando a questão de ser uma língua e esta desde logo condicionar brutalmente a cultura, a verdade é que é na componente da Educação Literária que o jovem tem a possibilidade de exercitar o seu pensamento, mesmo sobre as palavras que outros escreveram! Por momentos pensemos num poema de Fernando Pessoa: nós podemos analisá-lo de várias formas, com vários sentidos, tanto quanta a nossa imaginação e argumentação poderem. Muitas vezes encara-se esta componente como memorização quando ela devia conter em si tudo, menos barreiras.

Porquê esta verborreia cultural? A 29 de novembro a DRC publicou um vídeo, fazendo um paralelo à «Casa de Papel», em que tentava incentivar os açorianos a visitarem os seus museus. O vídeo é magnífico, não haja dúvidas, mas é preciso mais: é preciso investimento. É triste 2023 ser o ano em que o orçamento regional para a cultura é o mais baixo da sua história democrática (um corte de 27,3% em relação ao ano passado).

Não quero, contudo, desvalorizar o trabalho dos funcionários de museus, centros, teatros, arquivos,… sob esta tutela: tem sido feito um esforço muito meritório. Faltam duas coisas: diálogo e chegar às ilhas mais periféricas.  

Temos vários espaços de produção e mostra cultural públicos, a esmagadora maioria a trabalhar perfeitamente, que podiam comunicar entre si para enriquecer os seus planos de atividades. Da mesma forma, deve haver um esforço público no sentido de abordar agentes culturais independentes e dar-lhes condições de chegar mais longe. São Miguel, Terceira, Faial e Pico, assim que me lembre de exemplos concretos, têm entidades já muito bem estabelecidas, parte delas marcadamente irreverentes, que, além da óbvia questão financeira, devem merecer uma atenção maior. Vamos valorizar o nosso património infraestrutural, material e humano entrelaçando-o!

Não obstante, este trabalho deve ser levado até às ilhas mais pequenas. Deve haver pelo menos uma valência que permita exposições, cinema, teatro, concertos,… com qualidade em cada ilha e deve ser usado o esforço da teia mencionada para lhes dar uso e incentivar às dinâmicas locais.

Ter sempre em atenção que as mentalidades não mudam da noite para o dia.