Estou a meio da época de exames, também em entregas de trabalhos, além de outros compromissos (incluindo uma investigação) e, no entanto, parece o momento em que tenho menos trabalho, não por tudo fluir, mas por ficar imobilizado por períodos de tempo, levando a que o trabalho seja feito por convulsões, ao ritmo da pressão dos prazos. Apesar de acreditar que tenha, no mínimo, uma incapacidade de gestão de tempo, julgo que esta experiência é partilhada por muitas mais pessoas, diria, até, por uma ampla maioria.
Será uma sobrecarga de trabalho o que leva a esta atitude? Será uma preguiça exacerbada? Será um cansaço? Julgo que mesmo que seja alguma destas opções, estaremos diante um conjunto de outros sintomas e não uma explicação para esta inércia. Aquilo que me parece mais provável prende-se com o que partilhamos: a realidade em que vivemos, um mundo em aceleração. Não se trata meramente de um mundo que se move a grande velocidade, mas a uma velocidade cada vez maior. Isto atordoa-nos, porque nos destabiliza: sentimo-nos cronicamente ignorantes. Não conseguimos estar a par de tudo, mas temos de estar em todo o lado, no entanto sempre com um sentimento de impotência.
Não admira que haja tantos livros de autoajuda e tantos treinadores disto e daquilo. Se me permitem, parece-me que a leitura de clássicos da Filosofia possa ser uma ótima ajuda em lidar com esta situação. Penso, por exemplo, em Nietzsche. Confesso que, baseado no que ouvi, achava que este autor se inseria no niilismo, num estado de espírito pessimista e derrotista, no entanto, depois de o estudar e ler, apercebi-me como errada é essa leitura. Nietzsche apresenta-nos um mundo integral: onde há prazer e dor. Aquilo que ele nos diz não é mais nem menos, de que nos compete pegar nas possibilidades que essa integralidade contém, somos nós que lhe damos significado (temos a tal vontade de potência). Também a poesia me parece uma grande ajuda: a sua estrutura permite aberturas, tanto nas palavras como nos espaços em branco, que são convites à desconstrução do mundo e, mais, à sua reconstrução. Admito que às vezes leio poemas sem os tentar interpretar, porque só me apetece experienciar a ritmicidade das palavras, a sua ressonância. E alargarmos às artes plásticas, talvez o movimento surrealista seja um bom exemplo: subverte as regras com as quais lidamos quotidianamente, despe-as. Muitas vezes, fá-lo humoristicamente. Nesta situação, haverá algo mais terapêutico sobre a tragédia do mundo do que nos rirmos dela?
Mas isto não nos resolve o problema, só nos permite viver com ele. No ano passado publicou-se em Portugal um pequeno ensaio de Marina Garcés, Novo Iluminismo Radical*, que me parece analisar de uma forma assombrosa o espírito do nosso tempo. É uma leitura em profundidade, e olhem que eu tenho sentido imensa dificuldade em encontrar profundidade em vários trabalhos. Ela fala-nos, por exemplo, do analfabetismo ilustrado: conhecemos muito e podemos pouco. Algo utilizado como ponte as neutralizações da crítica, a impossibilidade de pensar estruturalmente a realidade: «a saturação da atenção, a segmentação de públicos, a uniformização das linguagens e a hegemonia do solucionismo». Basicamente, segundo entendo: não sabemos por onde nos virar, então fechamo-nos numa bolha, sempre à procura de remendos.
Acho que já se percebeu que a solução é a mudança deste sistema em que vivemos – com fraternidade e radicalidade. Julgo também ser necessário afastar um obstáculo que podemos colocar a nós próprios: o idealismo. Mesmo que concretizemos algo, nunca será como queremos. Será essa a beleza da utopia, um caminho constante.
* Com «radical» entenda-se «estrutural», que vai à raiz.