Foguetões: duplo ato de fé

Nos passados dias 26 e 28 de setembro ocorreram os lançamentos de dois foguetões a partir de Santa Maria. Trata-se do início da concretização de um projeto que já tem vindo a ser pensado desde há sete anos e que no início deste ano foi catalisado com uma alteração no processo: em vez da utilização do porto espacial ocorrer por concurso, com um determinado caderno de encargos (como durante estes anos se tentou sucessivamente), tornou-se a possibilidade de realizar estas atividades através do pedido de licença. Estes eventos, não obstante, ainda constituem um estado embrionário da atividade, sendo as primeiras tentativas práticas da viabilidade desta atividade. Permitam-me, contudo, apontar aquela que me pareceu uma área que ficou em falta: a comunicação. Sendo esta uma estreia deste tipo da atividade, seria de todo o interesse que o Governo Regional tivesse publicado as etapas do processo (do licenciamento) e que o responsável pelo consórcio do lançamento não acabasse uma entrevista, no espaço da questão aberta, a pedir às pessoas para não irem a Malbusca ver o lançamento sem qualquer desenvolvimento. Vivemos anos de intensa preocupação e alguma polémica para depois se esquecer aquilo que podemos chamar de transparência?
Passemos, então, ao nosso primeiro ato de fé: o acesso ao espaço como possibilidade de desenvolvimento da ilha (e do arquipélago). Além dos funcionários diretamente associados ao porto espacial, temos um ecossistema que vai tomando forma, através de algumas estações, numa paisagem de antenas. É bonito de ser ver, mas esperemos que cresça. Não estamos a falar de uma enchente de empregos, mas de mais oportunidades de trabalho que têm a vantagem de ser de emprego qualificado: é a possibilidade de fixarmos as nossas gentes com melhores condições de vida e atrair outras pessoas para a nossa comunidade. Que se saiba, contudo, fazer um crescimento sustentado. Certamente que as entidades públicas, o Governo Regional e a Câmara Municipal, deverão acompanhar de perto estes desenvolvimentos, pugnando por aqueles que são os interesses da comunidade e não esquecendo os investimentos públicos na saúde, acessibilidades, transportes, vias públicas, educação,…, que os devem acompanhar. Temos de ter sempre presente a visão do todo, impedindo quaisquer deslumbramentos.
E isto encaminha-me para o segundo ato de fé: o acesso ao espaço como uma nova oportunidade. Muito se fala sobre as vertentes materialistas de colocarmos satélites em órbita, de como existe uma indústria em crescimento que poderá rejubilar com um lançador em Santa Maria, mas pensemos, no fim do dia, o que está a acontecer. Perguntemo-nos: o que estamos a colocar lá em cima? Bem se pode dizer que isso nos é indiferente, que aquilo que se quer é só a atividade de lançar, mas não será muito difícil de perceber como é atitude é nociva para se pensar o espaço público. Pessoalmente, identifico dois problemas: a entrega do acesso ao espaço a privados e os interesses da defesa que espreitam. Quando falamos do Espaço, falamos de ausência de fronteiras, queremos mesmo que a competição tire o lugar da cooperação outra vez? Já tivemos muitas oportunidades ao longo da História de criar uma narrativa de união e falhámos sempre. Retiremos a ganância da equação. Ainda por cima quando no espaço temos um ponto importante no setor da defesa. Nada nos garante que quem usará o porto espacial não estará a fazê-lo para colocar em órbita equipamentos que participam nas guerras que tanto abominamos na televisão. Desenvolvimento quer-se e precisa-se, mas nunca baixemos a guarda do poder crítico.