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Intervenção | Alexandra Manes | Políticas Europeias

A democracia encontra-se em risco na Europa. As recentes vitórias de partidos de extrema-direita são prova disso. Trazem consigo a hegemonia, o conservadorismo, o domínio de instituições financeiras e políticas contrárias a coisas que deveriam ser tão simples como Direitos Humanos, pondo, assim, fim à ilusão de uma política progressista que os discursos desenhavam para a União Europeia.

Dos valores da velha Europa poucos sobrevivem. Do projecto europeu, também. A Europa solidária transformou-se numa Europa que destrói o estado social e os direitos de quem trabalha através da aplicação de tratados e chantagem sobre os povos.

Assistimos à destruição de um projecto de cooperação e solidariedade, para se tornar num circo de feras, onde Angel Markel e Macron se deleitam e regozijam e onde as propostas de refundação da União Europeia surgem cada vez mais autoritárias, centralistas e antidemocráticas. Ambos aguçam mais centralização na decisão política económica e financeira. Alemanha e França suspiram pela diminuição dos fundos estruturais e pelo reforço da arquitectura do euro.

Com a desculpa do Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia – são preparados cortes nos fundos estruturais que servem de compensação (muitas vezes insuficientes) para países com menores níveis de desenvolvimento económico para atenuar os graves desequilíbrios económicos provocados pela moeda e mercados únicos, cuja consequência será o aumento das desigualdades entre países com diferentes níveis de desenvolvimento e concentração do poder económico e financeiro nas grandes empresas e bancos.

A cumplicidade com estas políticas contrárias ao nosso país, e em particular à nossa Região, é ainda agravada quando se esconde que parte destes fundos serão desviados para gastos militares na forma da chamada "cooperação estruturada permanente" (PESCO). Esta “cooperação”, não é mais do que aumentar os gastos militares com o projecto da criação de um exército europeu no horizonte, projeto cujas consequências passam pela diminuição do investimento comunitário em áreas essenciais, como a coesão ou os fundos sociais e estruturais, para o direcionar para as grandes empresas de equipamento militar.

Camaradas, aproveitando-se da crise migratória que assola a Europa, aproveitando-se de crianças, mulheres e homens que fogem à guerra, aproveitando-se do desespero de pessoas que arriscam a vida no mar, porque sabem que na sua terra só lhes espera a morte, as políticas tomam forma e o seu objetivo político é o do alargamento da capacidade de intervenção do imperialismo alemão, federador dos interesses das elites francesa, italiana e espanhola e prevenir contra futuros manifestações populares de grande dimensão. Aproveitando-se e chantageando, amedrontando as pessoas, vai a Europa investir na guerra, através da criação de um exército de defesa europeu! Investir no belicismo. Investir em guerra. Fomentar o medo nas pessoas e utilizar a palavra defesa é o naipe de ases que necessitam para que invistam em máquinas de guerra.

E os Açores na Europa? E as consequências destas medidas para a nossa região?

Foi tornada publica que a proposta de orçamento plurianual da Comissão Europeia para 2021-2027, ao abrigo da política de coesão, previa um corte de 7%, para Portugal, o que prejudicaria gravemente a nossa região que depende, em muito, como qualquer outra região ultraperiférica de verbas comunitárias.

E camaradas, notem que o debate político na nossa região acerca das políticas europeias, ronda as migalhas, por via de partidos que não souberam nem conseguiram negociar o melhor e aquilo que os Açores necessitam.

Estrategicamente, bem pensado, e em forma de chantagem, Bruxelas lança o anúncio no corte das verbas, suscitando a insatisfação de vozes políticas, que rapidamente se contentaram com a visita de Phill Hogan – Comissário Europeu da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

Resultado: Phill Hogan, como porta-voz do céu, dá a novidade de que afinal o POSEI terá verbas iguais às atribuídas no quadro referente a 2014 - 2020, levando com isto a que se aceitem os tostões, em vez de se reivindicar o aumento das verbas comunitárias.

Não me digam que PS, PDS e CDS se deixaram enganar com o trunfo que Phill Hogan trazia no bolso, para os silenciar: “O mesmo valor é melhor do que ter cortes”.

E mesmo assim, já começamos a assistir a uma espécie de luta de titãs que disputam o pódio de quem teve mais influência numa decisão, que provavelmente já estava mais do que tomada.

 

E se agora com o POSEI já vislumbramos esta luta, aguardemos pelo fim do ano, quando os dossiers estiverem selados e lacrados, e o discurso político de PS, PSD e CDS passar a uma troca de galhardetes, com base na acusação de quem não soube negociar, de quem não tem força e de quem, afinal, se deixou enganar.

O que se esqueceram, ou convinha não lembrar, é que tendo o POSEI as mesmas verbas de 2014 representa que em 2021, quando se iniciar este programa, o valor já terá desvalorizado com a inflação acumulada entre os 10 e 12%  por todo o tempo que passar para além de 2020.

Já percebemos que a intenção é a da diminuição dos fundos europeus, futuramente. Para o POSEI a diferença seria a diminuição de 4 milhões. Sejamos sérios! O que para o Sr. Comissário Europeu para a Agricultura e Desenvolvimento Rural é uma “gota no oceano”, para o orçamento dos agricultores açorianos é uma verba determinante para a subsistência de um sector que se quer modernizado, sustentável e de qualidade.

Camaradas, como sempre, não contem com o Bloco de Esquerda para esta feira de vaidades. Ao Bloco só há um caminho: o de aumentar as verbas, pois sabemos e sentimos o que é viver na ultraperiferia, onde a distância geográfica e o espaço descontínuo aumentam os custos de produção e, por isso, necessitam de compensações.

No fundo, o centro da questão está na forma como são encarados os fundos europeus, que para muitos são tidos como um acto de caridade dos países mais ricos para os países mais pobres, e nessa medida temos de ser bem comportados, cumpridores, para mantermos a aparência e sermos aceites pelos senhores todos poderosos da Europa.

Infelizmente, este tipo de raciocínio não é difundido apenas pela elite política e económica na região, sendo desde há longos anos a cartilha dos responsáveis políticos a nível nacional.

Camaradas, numa economia completamente aberta como é o mercado único europeu e ainda mais agravado no caso dos países que têm a mesma moeda - o euro - fica claro que os países com economias mais desenvolvidas do ponto de vista tecnológico, tendem a sufocar as economias e países menos desenvolvidos.

Economias como a da Alemanha, França ou Holanda, por exemplo, muito mais desenvolvidas do que a Portuguesa em mercado aberto, como é o mercado único, tendem a ficar mais robustas, com capacidade para compra de empresas portuguesas, colocando os seus produtos de maior valor acrescentado no nosso país.

Por via disso, em vez de tornarmo-nos mais iguais ficamos mais diferentes, em vez de nos aproximarmos, afasta mo nos. Se acrescentarmos a esta dinâmica as imposições das regras contra os denominados deficit's excessivos, temos aqui o cocktail para o aumento dos desequilíbrios na Europa.

É a partir deste processo e dos dados concretos deles resultantes, que o BE sempre afirmou que a construção europeia era um projecto edificado pela oligarquia financeira europeia, com o objectivo de se dotar de dimensão para concorrer com as superpotências mundiais e não para favorecer os povos da europa.

É evidente que estas dinâmicas têm de ser vistas à escala de um país, mas nos Açores podemos dar o exemplo das pescas que para servir as grandes multinacionais do pescado a União europeia impôs que o mar e as suas pescas fosse único. Com isto, vimos os grandes arrastões passarem nos açores, destruindo tudo o que havia no mar e nos seus fundos. Estas empresas maximizaram os seus lucros e na falta do peixe foram-se embora. Resultado: parte determinante para a crise no sector das pescas que hoje se vive.

Tem sido amplamente falado o grande salto que é dado neste orçamento europeu relativamente às verbas para a investigação e ciência. Mas quem detém, na Europa, os grandes centros de investigação, são os países e empresas mais poderosas. Ora, esta é uma forma dos tais países que são contribuintes líquidos irem buscar verbas que deviam ser, em primeiro lugar, para apoiar a ciência e investigação dos países mais pobres, contribuindo para o seu desenvolvimento tecnológico.

Não é por acaso que PS PSD e CDS, não deixam os açores serem donos do seu mar e que o falado centro de investigação internacional da Horta vai ser transformado num escritório dos interesses de empresas grandes da europa.

Camaradas, não posso terminar esta intervenção sem deixar uma nota sobre o acordo que Portugal deu à chamada política de migrações para a europa. Somos uma região de emigrantes, somos um país de emigrantes que nos anos de crise mais de 500.000 portugueses emigraram! Vergonhosamente, Portugal deu o seu aval a campos de refugiados e emigrantes na Europa, cedendo ao Trump da América aos Trumps da Europa, cedendo à xenofobia e ao racismo e virando as costas aos Direitos Humanos.

Mesmo finalizando, camaradas, não nos podemos desresponsabilizar de mudar o rumo da política europeia. Não é pelo facto do parlamento europeu ficar ali ao longe que nos devemos demitir do nosso dever e obrigação de nos fazermos ouvir. Como é que o fazemos? Não deixando nas mãos de outros!

Nas próximas eleições para o parlamento europeu só temos um caminho: votar e com o nosso voto reforçar o BE no Parlamento Europeu, pois só com o reforço da política de esquerda, o rumo será outro.

Pensemos: se uma Marisa Matias incomoda muita gente, mais Marisas incomodam muito mais.

Viva o Bloco de Esquerda!

 

* texto enviado à mesa da convenção