A não esquecer

Hoje trago apontamentos destes tempos que vivemos. Coisas que me parecem pertinentes deixar janelas para refletirmos.

O ponto mais chocante desta lista é a entrevista de Óscar Cardoso ao Correio da Manhã [1]. No lead lê-se que este ex-agente da PIDE não via a atuação desta polícia como fazendo uso da tortura. Trata-se de algo impensável nos 50 anos do 25 de abril. Num vídeo que corre nas redes sociais [2], ouvem-se estas e outras barbaridades a serem ditas por quem teve uma pensão atribuída por Cavaco Silva (e recusada a Salgueiro Maia). O nosso repúdio deve ser total e evidente. É preciso nos insurgirmos contra este discurso.

Infelizmente, podemos esperar o branqueamento deste tipo de discurso na Assembleia da República, já que Aguiar-Branco se recusa a respeitar o regimento (e a Constituição) [3].

O CH Açores propôs a caça ao rato [4]. Esta tentativa da normalização da arma de fogo, a desresponsabilização da ação do Estado sobre um problema comunitário, são maus pronúncios que nos devem soar distópicos.

Um triste espetáculo da política portuguesa tem sido o experimentalismo da comunicação da Iniciativa Liberal nas redes sociais. Fazem vídeos de ataque pessoal, sem mencionar propostas [5], esvaziando o debate e estimulando o gosto pelo alimentar do ódio à política. Como se não bastasse, ainda consegue fazer uma apologia ao consumo do álcool [6].

Tem sido frequente a utilização das contas institucionais do Governo da República para fazer propaganda, luta partidária além da divulgação. Isso verifica-se nos avisos da CNE [7], mas facilmente se sente a vergonha em lê-lo em algumas publicações, tal como a do aeroporto [8]. Esta é a demonstração de como temos um governo que abertamente governa a olhar para as eleições e não para o país.

Hossenfelder, uma física teórica alemã, que se tornou youtuber para fazer divulgação científica, publicou um vídeo onde crítica o modo atual de fazer ciência [9]. Parece-me importante percebermos que aquele mundo que consideramos como a maior das verdades se rege por forças completamente alheias à ciência. Precisamos de repensar a forma como olhamos a investigação, tanto nos laboratórios como na academia.

Ainda numa ótica do repensar, um economista que ganhou o Nobel, Angus Deaton, publicou um artigo em que «repensa a sua visão económica» [10]. Este pensador neoliberal atesta a falência da doutrina na sua tecnocracia, abandonando a ética, e levando às desigualdades e concentração de poder. É particularmente interessante ler o seu testemunho sobre os sindicatos, onde afirma a sua necessidade hoje para lidar com os abusos laborais.

[1] https://www.cmjornal.pt/mais-cm/especiais/25-abril-50-anos/detalhe/tortura-os-choques-eletricos-so-faziam-comichao-oscar-cardoso-foi-inspetor-da-pide

[2] https://twitter.com/WalterDomings/status/1784667036833996868

[3] https://www.noticiasaominuto.com/politica/2563946/mortagua-exige-que-aguiar-branco-cumpra-regimento-do-parlamento

[4] https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/chega-nos-acores-quer-permitir-a-caca-ao-rato-com-armas-de-fogo-e-ainda-em-propriedade-privada-com-arma-de-ar-comprimido/

[5] https://www.tiktok.com/@liberalpt/video/7375626605399461153

[6] https://www.tiktok.com/@liberalpt/video/7358921632540413217

[7] https://www.publico.pt/2024/05/22/politica/noticia/europeias-cne-notifica-governo-apagar-publicacoes-redes-sociais-2091428

[8] https://twitter.com/govpt/status/1790502373439177003

[9] https://www.youtube.com/watch?v=LKiBlGDfRU8&ab_channel=SabineHossenfelder

[10] https://www.imf.org/en/Publications/fandd/issues/2024/03/Symposium-Rethinking-Economics-Angus-Deaton