A nossa voz sob ataque

Bem sei que existem notícias mais estimulantes e interessantes no outro lado do Atlântico, mas, também por isso, convém olharmos para uma notícia que passou algo despercebida pela nossa comunicação social – de vez em quando acontece informações importantes serem relegadas para um canto perdido numa página, para a semana julgo trazer outra.

No passado dia 9 de julho, a Amnistia Internacional lançou, em Lisboa, um relatório sobre o direito à manifestação na Europa [1]. A Amnistia Internacional é uma entidade internacional de renome no que concerne à defesa dos Direitos Humanos. O direito à manifestação é o que nos permite protestar, refletir e dar visibilidade a leis injustas e situações problemáticas. Sobre Portugal, são sete as preocupações [2]: Legislação sobre direito de reunião pacífica; Restrições quanto à hora, local e conteúdo dos protestos, sanções e punições; Tratamento discriminatório e diferenciado por parte da polícia; Policiamento dos protestos; Responsabilização dos agentes das forças de segurança; Desobediência civil; Estigmatização e retórica negativa contra os protestos. Vejamos sucintamente cada uma delas.

Desde logo, é necessário que os organizadores não sejam responsabilizados por condutas alheias e assumam responsabilidade além da organização, bem como não mencionar só cidadãos «nacionais» nesse direito e não haver custos associados.

Por um lado, tem havido várias manifestações com entraves relativos à forma de notificação, tal como a proibição em determinado local e horário. Por outro há a própria necessidade de manifestação (contrariando a própria Constituição) e a responsabilização dos promotores, levando estas a sanções.

Tem existido uma conduta diferente das forças policiais frente a diferentes manifestações. A Amnistia não apresenta exemplos neste ponto (talvez para evitar ferir suscetibilidades, o que poderia mudar o foco do essencial?), contudo parece-me evidente olhar para manifestações que implicaram o corte de estradas ou de neonazis por oposição aos ativistas climáticos ou pró-palestinianos.

Além dessa discriminação, o próprio policiamento tem resultado na dispersão de protestos, no uso de técnicas de dissuasão e revistas.

Neste sentido, é necessário haver uma responsabilização dos polícias que infrinjam a lei. Relembro, até o escrevi há uns meses, que vários jornalistas em Portugal têm sido agredidos pela polícia enquanto fazem a cobertura dos eventos.

A desobediência civil não está devidamente legislada, recaindo no direito à manifestação. O Público fez uma reportagem muito boa sobre o tema [3]. De recordar que tem havido apreensão de telemóveis e proibição de captação de imagens, o que é ilegal, além de que aqueles que foram judicialmente condenados por desobediência (mesmo pacífica) têm sido condenados.

Por fim, algo que me alarma imenso: há um discurso pejorativo contra o ativismo. Este sistema é tão perverso que é capaz de nos colocar, cidadãos, a ver quem luta pelos seus (nossos) direitos como o mau da fita. Claro que isto não aparece do nada: há alguma comunicação social com especial afinco nesta matéria, além de que se tenta lidar com grupos de manifestantes como organizações criminosas.

A AI tem uma página com várias informações legais sobre o direito à manifestação em Portugal, de forma a qualquer pessoa puder ter facilmente conhecimento [4].

[1] https://www.amnistia.pt/wp-content/uploads/2024/07/PREOCUPACOES_PORTUGAL_.pdf

[2] https://www.amnesty.org/en/documents/eur01/8199/2024/en/

[3] https://www.publico.pt/2024/07/15/azul/noticia/desobediencia-civil-nao-lei-direito-manifestacao-esta-respeitado-2097419

[4] https://www.amnistia.pt/protege-os-teus-direitos/