O abismo que se vai aprofundando

São vários os contextos em que nos confrontamos com a divisão, com a formação de grupos. Desde o futebol à visão sobre a tourada, atribuímo-nos categorias, rótulos, posicionando-nos num lado da questão.

Estes abismos metafóricos são importantes para perceber a realidade, ou melhor, para algumas correntes teóricas, a sua aplicação permite assegurar um esquema coerente sobre a realidade. Em sociologia eleitoral, particularmente em algumas correntes, usa-se o termo clivagem para aferir a importância dessas categorias no comportamento eleitoral. Como gosto da palavra «clivagem», vou adotá-la.

Aquilo que tenho andado a pensar há algum tempo é no papel que a «geração» desempenha na comunidade. Digo geração como conjunto de indivíduos com socializações primárias e secundárias semelhantes. Isto ocorre por estas pessoas partilharam um mesmo tempo, serem contemporâneas (este tempo mais material que uma aceção absoluta, já que num mesmo instante existem pessoas de todas as idades). Ou seja, partilham mundivisões semelhantes, mesmo que não em valores, que radicam de um ramo metafísico comum. Que definição bonita para geração: um conjunto de seres humanos que partem de um mesmo ramo metafísico.

Esta grelha de base comum será, então, aquilo que diferencia as várias gerações e as coloca em choque. Uma dificuldade será, na prática, perceber onde se circunscrevem estas gerações. Afinal, que grelha é esta? Podemos mesmo conhecê-la? E os indivíduos não podem negá-la? O que trago aqui não é novo, a teoria das gerações já existe desde o século XIX, pelo menos, com Auguste Comte como pioneiro e Mannheim no século XX. Quem já não ouviu falar em «Boomers», «Millenials» ou «Geração X»? Uma crítica é questionar se entre indivíduos da mesma geração existem mesmo menos diferenças do que estre gerações.

Não obstante, aquilo que quero aqui afirmar é a afirmação da clivagem, independentemente daquilo a que se chama o «generational gap», a diferença entre gerações. A questão geracional parece assumir cada vez um papel evidente, sendo que isso pode ser um sintoma, isso sim, dessa clivagem, que, nesse caso, é um abismo em continuo aprofundamento.

Julgo que isto poderá ser evidente pelo discurso: parece-me que este apelo à juventude no discurso político é recente e tem-se intensificado. Talvez fosse interessante, por exemplo, analisar os diários parlamentares sobre estas menções, já que são um extenso registo histórico escrito. Infelizmente, estas alusões aos jovens são muitas vezes feitas como sinónimo de futuro, adiando o seu bem-estar para um amanhã que, no imediato, desresponsabiliza os agentes políticos. Mais retórica que outra coisa. Mas assistimos, também, a movimentos críticos, na medida que a centralidade destas menções à juventude deixa de fora outros grupos demográficos particulares* – no fim de contas, não são todos particulares?

Parece-me adequado apontar três razões para o aprofundamento desta clivagem. A primeira é o próprio sintoma: um discurso geracional cristaliza essas diferenças. A segunda é o aumento da esperança média de vida que nos levou a uma conceção da vida cada vez mais por etapas. A terceira é a evolução tecnológica, marcadamente exponencial, como constitui um exemplo a Lei de Moore, e que se materializa nos processos de socialização e educação de uma forma que, no passado, seria essencialmente virtual.

Esta parece-me ser uma matéria de estudo importantíssima, porque podemos estar na beira de uma clivagem que torna o nosso diálogo comunitário, como um todo, impossível. Sendo que esta fragmentação impede uma resolução estrutural dos problemas – isto, de certo, convirá a quem quer manter o status quo.

* Talvez fosse interessante aqui perceber a relação entre se falar de um grupo a partir da sua idade e a partir da sua geração.