O governo regional esta semana afirmou que a “porta não está entreaberta à atividade de mineração no Mar dos Açores, ao contrário do que alguns procuram transparecer.” Registo que o governo não terminou a frase dizendo que a porta está fechada.
Depreendo que no alguns a que o governo se refere se incluem as associações ambientais que criticaram a inclusão da mineração em mar profundo no plano de ordenamento do espaço marítimo do mar dos Açores recentemente aprovado pelo governo regional e pelo conselho de ministros.
Em vez de dizer que a porta está fechada à mineração nos Açores e de ter trabalhado para concretizar a resolução do parlamento dos Açores, aprovada por unanimidade, que recomenda uma moratória à mineração em mar profundo no mar dos Açores até 2050, o governo regional afirma que seguiu a via “manga de alpaca”: Isto é, se a atividade tem enquadramento legal, nada mais há a fazer do que incluí-la no plano de ordenamento. O governo demite-se de decidir e agir.
Não há dúvidas do compromisso político assumido pelo governo regional pela moratória à mineração em mar profundo. Não há dúvidas do sentido da unanimidade no parlamento dos Açores sobre essa moratória.
Mas esse compromisso tem de ser inscrito em toda a legislação e planeamento que a região produza sobre o mar.
O compromisso político de pouco vale quando os protagonistas e os governos forem outros, partindo do princípio que ainda valia alguma coisa.
Mas há mais um aspeto cuja gravidade é ainda maior: se nada for feito o governo acabou de entregar de bandeja todo o poder de decisão sobre a mineração em mar profundo no mar dos Açores ao conselho de ministros.
Segundo o plano de ordenamento submetido para aprovação pelo governo regional e de acordo com o seu comunicado qualquer pretenção para exploração mineral em mar profundo fica “sujeita a procedimento de Plano de Afetação”.
O governo regional certamente que não ignora que, de acordo com a atual lei do mar e sua regulamentação, os planos de afetação podem ser elaborados por iniciativa pública (na qual se incluem as regiões autónomas) ou privada - naturalmente as empresas interessadas em desenvolver qualquer atividade para a qual não foi definida área para o seu desenvolvimento. A sua aprovação cabe sempre ao conselho de ministros.
Portanto, como é fácil de concluir, o governo regional acabou de entregar às empresas interessadas na mineração em mar profundo nos Açores, não só a possibilidade de o fazer como também o poder de propor sob a forma de plano de afetação onde, como e quando. E entregou ao governo da república - o atual ou qualquer outro - todo o poder de decisão sobre a mineração do mar profundo.
O governo regional criou então um novo conceito de gestão partilhada - os recursos minerais passam a ser partilhados entre multinacionais extrativistas e o governo da república. A porta não está entreaberta à mineração em mar profundo. Está escancarada!
O plano agora aprovado era efetivamente uma oportunidade de impedir este cenário altamente prejudicial aos interesses dos Açores, do mar e da sua biodiversidade.
O caminho para a moratória ao mar profundo ficou mais estreito mas não impossível. Não vamos desistir de proteger o mar dos Açores e o seu futuro. Não vamos desistir da ideia justa que os Açores têm de decidir sobre o seu mar.