Umas últimas notas sobre lá

Bem sei que nas últimas semanas tenho andado com o olho focado mais lá para fora do que cá para dentro, trazendo a esta página as eleições que se realizaram no Reino Unido e em França. Fi-lo porque estamos a falar de eventos com fortes implicações em nós, quer seja pelos emigrantes que lá estão como pelo impacto diplomático e económico de diferentes resultados. Mais, ao se tentar pensar sobre as eleições, está-se a desvelar aqueles que são os nossos ventos contemporâneos: temos a possibilidade de, com o devido distanciamento, testemunhar aquilo que pode acontecer cá dentro. Estas análises são sempre difíceis, estamos a falar de cenários com muitas variáveis, onde a diferença de culturas se pode demonstrar crucial, mas com a globalização assiste-se a uma generalização de fenómenos cada vez mais, bastando olhar para a vaga da prominência de políticos e programas políticos de extrema-direita – digo-o assim, porque em vários casos se observa uma aproximação da direita democrática aos discursos, por exemplo, anti-imigração, como forma de tentar reter eleitorado.

 Da França temos, justamente, esse legado. O resultado da normalização da extrema-direita, do não combate a políticas discriminatórias, à base do ódio, tornou a sua demagogia, a manipulação, livre de qualquer censura moral. O governo francês criou um pacote legislativo sobre imigração que contou com o apoio da extrema-direita [1] [2]. Se as suas ideias vencem sem ter sequer uma maioria na assembleia, não é de estranhar a sua vitória na primeira volta. Felizmente mostrou-se que o cordão sanitário funciona, mais uma vez, devendo habitar as nossas mentes a necessidade de unir esforços quando se trata de defender a democracia. Não obstante, nunca houve tantos lugares para o partido dos Le Pen como agora. Resta perceber que entendimentos vão ser tidos para a formação do executivo francês.

Do Reino Unido chegou-nos o desgaste e a resistência. O desgaste de um governo de tal forma que os votos nos seus candidatos foram divididos por outros partidos de direita, nomeadamente um partido de extrema-direita, levando a que, devido ao sistema, o Labour fosse beneficiado. Ou seja, mesmo tendo menos votos que em 2019, os trabalhistas conseguem uma maioria absoluta esmagadora ao nível dos resultados de Tony Blair. Tendo em conta que a participação recuou sete pontos percentuais e que o aumento do Labour foi de um ponto percentual, julgo que poderemos ver como os ingleses mão estão propriamente confiantes no programa do, agora, primeiro-ministro trabalhista. Isto é um duro golpe para aqueles que afirmavam que a posição socialista do Corbyn em 2017 (quinto melhor resultado popular absoluto de sempre do partido) não só não afastou eleitores, como os atraía. A eleição de independentes esquerdistas, entre eles Corbyn, além de verdes, nestas eleições, demonstra a importância do eleitorado que procura estas vozes. Só pela resistência eleitoral, pelo sistema culturalmente bipartidário, não temos mais vozes desalinhadas no parlamento. Por outro lado, esta mesma resistência impediu que a força de extrema-direita conseguisse um sucesso eleitoral maior do que o que teve – com muitas polémicas em torno de racismo e da ajuda à Ucrânia.

Julgo que algumas destas questões não haviam ficado claras, pelo que senti necessidade de as trazer de novo. Prometo que deixo aqui este assunto arrumado.

 

[1] https://pt.euronews.com/2023/12/20/parlamento-frances-aprova-nova-lei-de-imigracao-mais-restritiva

[2] https://www.publico.pt/2024/01/26/mundo/noticia/governo-frances-vai-promulgar-lei-imigracao-dura-2078302