A 'austeridade má' e a 'austeridade menos má'

 

 

Os partidos, daquilo a que designam por 'arco da governabilidade', têm tratado os portugueses como suspeitos do crime de terem vivido acima das suas possibilidades.

Os suspeitos estão isolados, numa qualquer 'salinha' do fundo de um antro de tortura, em que é utilizada a estratégia, sobejamente, conhecida, da 'austeridade má' e da 'austeridade menos má', como forma de espremer a confissão de um crime não cometido.

Nessa 'salinha', sempre húmida, com paredes cheias de bolor, a 'austeridade má' começou por ser um Governo do PS que ia impondo pacotes de austeridade, disfarçados pela designação de Planos de Estabilidade e Crescimento (PEC). Sim, os famigerados PECs que não eram mais do que uma espécie de sequela cinematográfica de sacrifícios, em que o povo era o principal protagonista.

A 'austeridade má' depressa começou o processo de transformação em 'austeridade menos má', quando o Governo do PS solicitou um resgate financeiro à famosa troika. Foi então, que se convocaram eleições antecipadas.

Durante as eleições, quem condenou o pedido de resgate, que afinal não servia, propriamente, para pagar salários e pensões, mas antes para salvar a banca, foi tido como irresponsável e, posteriormente, culpabilizado por ter ajudado a atirar o país para as mãos da 'austeridade mais do que má', numa lógica de que mal por mal, antes a tortura lenta dos vários PECs, os quais, mais cedo do que tarde, não impediriam a tal ajuda para os Bancos, do que uma austeridade, para além do necessário.

Sim. Os mais incautos que não se enganem. Porque auditar a dívida e negociá-la, diretamente, com os credores não interessa à Banca, pois o que interessa é o financiamento através da troika que transmite as ordens austeritárias à governação para que proceda à delapidação do Estado.

Foi então, que atravessámos uma campanha eleitoral, em que PSD e CDS assumiram a 'austeridade menos má' e prometiam soluções fabulosas, apesar de estarem tão comprometidos com a troika como aqueles que a chamaram.

Após dois anos, o povo continua preso na tal 'salinha' escura e inóspita, perante a 'austeridade má', que o espreme até não haver mais nada para espremer e uma espécie de treinador adjunto da austeridade que não concorda com a ação da austeridade.

Mas temos também a 'austeridade menos má', a tal que lá vai dizendo que o melhor é confessarmos o nosso crime de termos vivido acima das nossas possibilidades, pois se confessarmos tudo, será bem melhor, o que resultará numa austeridade menos austeritária, graças a uma suposta negociação, mas sempre com a troika, nunca, diretamente, com os credores e que nem vale a pena apurar o que realmente devemos. Temos é que pagar!

E o povo amarrado à cadeira da tortura, naquela 'salinha' escondida e esquecida, olha para a 'austeridade má' e para a 'austeridade menos má' e desespera. Porque sabe, que continuará a ser espremido por um crime que não cometeu.

Um povo que sabe que sempre trabalhou e que recebeu, quer no setor privado, quer no setor público, bem menos do que a média de um continente que, na prática, só lhe pertence por razões geográficas ou para favorecer os seus donos.

Um povo com pensões de valor insignificante que nem dá para assegurar a sua sobrevivência.

Um povo que usufrui de um Estado Social incipiente e para o qual tem contribuído, sem que se sinta compensado.

No entanto, é espremido para confessar o que não é confessável, que usufrui de vencimentos, acima da média, que tem pensões de luxo e que tem vivido à sombra de um Estado Social opulento.

Enquanto isso, os contratos das parcerias público-privadas, os prejuízos nacionalizados, os lucros da banca à custa das taxas de juro cobradas ao Estado, as mais valias em bolsa não taxadas e a utilização de off-shores para fuga aos impostos, nem são vistos como suspeitos e estão em salas amplas e alimentados pela austeridade, a má e a menos má.