Ocupa o 11º lugar da lista nas eleições europeias. Sabe a pouco?
Não. Em primeiro lugar, concorremos na lista para passar uma mensagem, fazer pedagogia sobre o nosso programa e para que possam escolher o que têm agora e o que poderá ser diferente com mais deputados na esquerda europeia.
Em que consiste o projeto do BE?
A nível nacional temos um compromisso sobre o referendo ao Tratado Orçamental. O Tratado Orçamental é austeridade por mais 30 anos. No entanto, a nossa grande prioridade é a reestruturação da dívida e enquanto não for reestruturada, não teremos investimento na economia, no emprego e no crescimento para o bem de toda a população. Neste momento, estamos a pagar juros de dívida e a empobrecer o país. Já temos um milhão de desempregados, 25 mil na Região, dos quais 60 por cento não têm qualquer apoio. O empobrecimento está alastrar-se de forma gravosa, no entanto os juros da dívida estão a ser pagos à banca e, por ano, são 8 mil milhões. A nossa dívida em relação ao PIB aumentou imenso. Quando fomos resgatados, tínhamos 93% e neste momento estamos à beira dos 130 por cento de défice. Estamos a empobrecer as pessoas e a cortar direitos como nunca se viu desde o 25 de Abril. É, por isso, que estas eleições europeias são muito importantes, porque é no seio da União Europeia que nós podemos alterar estas políticas. A União Europeia não está a dar aos cidadãos aquilo que prometeu: uma Europa dos povos, da solidariedade do Estado Social. Pelo contrário, estamos a viver uma Europa dos mercados, das finanças e contra as pessoas.
Esta vai ser a vossa pedra de toque no Parlamento Europeu nos próximos cinco anos?
Sem dúvida. Defendemos que todos os países das economias periféricas devem fazer esta reestruturação, porque só assim o projeto Europa solidária e da coesão social e para a qual foi criada, poderá avançar. Um dos nossos princípios é alterar os estatutos do Banco Central Europeu (BCE) para que tenha um papel regulador e financiador da UE e não financiar os bancos privados que depois financiam os Estados em crise. É uma das estruturas mais poderosas do mundo e é completamente discricionário em relação ao Parlamento e por quem é eleito. Todos os congéneres do BCE no mundo têm três critérios: inflação, crescimento e emprego. Por estranho que pareça, o BCE só tem inflação. Defendemos também um maior poder legislativo para o Parlamento Europeu, que é eleito pelos cidadãos. Estamos a viver numa Europa cada vez menos democrática.
Os cidadãos estão conscientes do que está em causa nestas eleições?
Penso que não. É com tristeza que constato que, após 40 anos de democracia, temos ainda muito caminho para andar, seja em eleições nacionais e europeias. Temos tido abstenções muito altas. Nos Açores, nas últimas europeias, foi de 78%. É grave e preocupante. Apelo às pessoas que estejam atentas, porque todos os dias ouvimos no café, na padaria ou no autocarro, falar mal da Merkel, do senhor Barroso, deste diretório europeu que anda a comandar as nossas vidas e a virá-las completamente ao contrário, mas depois esquecemos que nós é que mandamos e poderíamos mandar se exercêssemos este direito de voto. É extremamente importante que as pessoas percebam que mais de 90% do nosso dia-a-dia é decidido na União Europeia. Temos a oportunidade do voto e dizer nós não concordamos com a política da austeridade, com o empobrecimento que estão a fazer às nossas vidas. Ou queremos continuar o mesmo caminho ou queremos realmente mudar para uma Europa solidária e que nos dê emprego, segurança, porque o contrato social foi cortado.
Falando dos Açores, o fim do regime de quotas leiteiras, no próximo ano, é certo e sabido há muito. Acha que os produtores açorianos estão preparados para esta realidade?
Não estão. É bom que comecemos a trabalhar num outro pacote financeiro de compensação. No nosso entender, nada disso foi feito. O Governo Regional também, por sua negligência, nunca conseguiu uma reivindicação séria. Nós apelamos, na altura, à Ministra Assunção Cristas que não assinasse a PAC sem uma derrogação para o setor, e principalmente, para as regiões insulares. No nosso caso são os setores produtivo e industrial os mais representativos. O risco que nós corremos é muito sério. Continuamos a apelar para que, através do Posei, exista um pacote certo com compensação aos produtores. Temos que investir na diversificação agrícola, nos transportes dentro da Região e na valorização do produto regional. São propostas exequíveis e há fundos europeus para isso. Temos de reivindicar como uma Região ultraperiférica.
Em relação ao mar, a sua colega de partido e cabeça de lista, Marisa Matias, prometeu recuperar a proposta de criação de uma comunidade de investigação do mar nos Açores. Que mais-valias trará à Região?
Esta é uma proposta que o BE/Açores tem defendido há mais de 10 anos. Temos de aproveitar a nossa posição geoestratégica e entendemos que o DOP é um ótimo embrião para o estudo dos fundos marinhos, da vulcanologia e da meteorologia. Precisamos de estudos dos nossos fundos marinhos.
Marisa Matias teve a oportunidade como relatora de um projeto de financiamento para a investigação e tecnologia, que viesse para os Açores um polo de investigação dos fundos marinhos. Tivemos anos de exploração predatória de frotas estrangeiras nas nossas águas. Isto revelou-se extremamente desastroso para os nossos pescadores que vivem do quinhão. Esta especificidade precisa de ser acautelada. Defendemos que o mar precisa de um período de defeso e este precisa de ser assegurado no quadro da União Europeia.
O projeto de investigação da comunidade científica é muito importante. Neste momento estamos a vender conhecimento, o nosso know-how para empresas multinacionais e não a registar patentes. Se queremos dar um salto no paradigma económico da Região, temos de aproveitar o nosso know-how, a nossa capacidade de criar riqueza e que esta fique na Região.
São conhecidas as metas do Programa Operacional dos Açores 2014 - 2020. É um bom plano? Os objetivos são realistas?
É um bom plano, mas gostava que não fosse só de intenções. No entanto e como já referi, temos vindo a receber nos últimos anos milhões da União Europeia e estes não chegam, porque tivemos uma austeridade que estes fundos não conseguem colmatar. Não são os novos que nos vão salvar e fazer milagres, se continuarmos com o programa de austeridade.
O que será um bom resultado para o BE nestas eleições?
Um bom resultado é manter os dois deputados, porque têm sido uma voz intransigente na defesa do Estado português, dos nossos interesses e de uma Europa que seja solidária, inclusiva e cumpridora dos direitos humanos. Por isso dizemos que votar de pé é votar à esquerda!
Cristina Pires/Ana Paula Fonseca