Há quem diga – uns, sorrateiramente contentes, outros vencidos pela impotência – que esta coisa de andar por aí a cantar a “Grândola” é uma perca de tempo, sem quaisquer consequências.
Uns prefeririam que o povo, manso e obediente, se deixasse ficar quietinho em casa, esmagado pela falsa ‘evidência’ de que não existem alternativas à tragédia que grassa nas suas vidas. Outros, mesmo pressentindo ou sabendo que há alternativas, sim senhor, já perderam o último pingo de esperança de que os senhores do mundo e os seus mangas de alpaca possam ser destituídos.
Sábado passado percebemos bem o quanto se engana quem assim pensa. Mais de um milhão e meio de pessoas veio para a rua exigir a demissão do governo da república, irmanados/as no espírito e na letra inscrita na “Moção de Censura Popular” lida, em pleno Terreiro do Paço, e onde se afirma: “Que o povo tome a palavra! Porque o governo não pode e não consegue demitir o povo, mas o povo pode e consegue demitir o governo. Não há governo que sobreviva à oposição da população”.
E não é isto que cada verso da “Grândola” diz? Uma verdade cristalina que, à força de tanta mentira, tanto engano, tanto roubo, tanta humilhação, tanta impunidade, quase tínhamos esquecido. E está mais do que na hora de todos/as nos lembrarmos de que lado está o verdadeiro poder, o legítimo, o único que a democracia suporta e justifica.
Cantar a “Grândola” é, antes de mais, exorcizarmos os fantasmas da impotência e da resignação. É levantarmos a cabeça e afirmarmo-nos como um povo que se recusa a aguentar a espoliação e a iniquidade reinante. É assumirmos, bem alto, que “Este governo não nos representa. Este governo é ilegítimo. Foi eleito com base em promessas que não cumpriu”, como diz a Moção Popular.
É recusarmos uma sociedade onde os mais velhos são acusados de terem roubado o futuro dos mais novos e estes são convidados a emigrar, sem bilhete de regresso. É não aceitarmos que os trabalhadores do privado e do público sejam transformados em armas de arremesso, atirados uns contra os outros. É exigirmos decência a quem não tem um pingo dela.
‘Grandolar’ o país é reencontrarmo-nos como povo soberano. Também aqui, nos Açores.