As inevitabilidades

Vivemos no tempo das inevitabilidades, quer seja a inevitabilidade da austeridade, das políticas que temos de engolir sem piar, quer seja, no caso da nossa ilha, no facto de termos de aceitar a inevitabilidade de nos transformarmos na capital e na fábrica de queima de lixo.

Não vale a pena pensar muito sobre o assunto, pois o projeto está feito e apesar de todas as alterações, nem se deve considerar a possibilidade de se realizar outro estudo de impacte ambiental, pois segundo o principal mentor desta inevitabilidade, este é um empreendimento que 'é para levar até ao fim'. Se não for por pirólise, como foi dito (só depois de muita insistência), durante a campanha eleitoral autárquica, será por grelha. Se não custar 12 milhões de euros, custará 21 milhões e se não custar 21 milhões de euros, custará 40 milhões.

Perante tais pensamentos e raciocínios de elevada sabedoria, não vale a pena preocuparem-se com o que será incinerado (fica mais fino do que queimado), pois aquilo é tudo para o mesmo monte: resíduos verdes, madeiras, plásticos sujos, mobiliário e colchões, resíduos de animais, papel sujo e lamas. É certo que o projeto prevê uma central de compostagem, mas que só funcionará, na eventualidade, da Central de Valorização vir a ter excedentes (o que dificilmente acontecerá), o que até nem é um problema, pois segundo o que nos é dito, por quem nos dirige e tem toda a sapiência do mundo, isto da incineração é bem mais ecológico do que a reciclagem, e a vermicompostagem é um mal muito maior, devido à emissão de gases com efeito estufa que produz. Enfim, não faltará nada e equipararão as emissões e a produção de resíduos perigosos provenientes da incineradora com a flatulência dos terceirenses que será bem mais prejudicial ao ambiente.

Se faltar material para incinerar não haverá problema, bastará arranjar umas máquinas para revirar o lixo depositado no atual aterro para solucionar tal problema. Tudo fixe! Afinal, o que não se vê, não se sente e não se cheira, não incomoda.

Para o atual executivo camarário e oposição, é uma perda de tempo referendar o projeto que transformará a ilha Terceira na capital dos resíduos do grupo central e ocidental e que, ao contrário do que é dito, não permitirá acabar com a deposição em aterro, estando até prevista uma bolsa para resíduos perigosos.

A Câmara e Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo consideram, por unanimidade, que não fará qualquer sentido referendar o futuro da gestão de resíduos, não estivesse esta, como outras inevitabilidades sempre associada à ideia de que as pessoas não terão qualquer interesse em participar em referendos e, pela mesma lógica, em eleições. Enfim, para quê uma democracia, se temos mentes tão brilhantes e tão disponíveis para pensar por nós?

Por isso, não admira que também na Câmara e Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo se torne tão difícil para a oposição eleita desempenhar o seu papel, razão para se concentrar em criticar a forma como o presidente organiza o seu tempo e no formalismo da entrega da proposta de plano de investimentos e orçamento da autarquia, não por não ser importante considerar tais aspetos da governação autárquica, mas porque assim até parece que a oposição faz oposição política.