Em 2004, o Bloco de Esquerda/Açores apresentou, aos/às Açorianos/as, uma proposta a que chamou “Âncora para o desenvolvimento dos Açores”.
O núcleo dessa proposta tinha, como base, o Mar.
Defendíamos nós, há dez anos, que um dos projectos âncora para o desenvolmento ecónomico dos Açores era, exactamente, o Mar.
Como dizíamos ao tempo (e mantemos), partir do embrião que representava o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, sedeado no Faial - embrião este que tinha, e tem, respeito científico nacional e internacional -, para a criação de um Centro Internacional de Investigação do Mar (além de outras valências), era um projecto ambicioso, um projecto que ultrapassava as fronteiras da Região, um projecto nacional, concretizado nos Açores.
Não o fizemos por luxúria intelectual. Fizemo-lo, porque pugnamos pelos Açores. Fizemo-lo, pela compreensão clara de que os Açores podem ter, no mundo, um papel cimeiro, naquilo a que hoje muitos chamam “a economia do mar”. Fizemo-lo, porque é possivel tirar partido das nossas magníficas condições geográficas, bem como do conhecimento já adquirido, para novos patamares de desenvolvimento, de criação de riqueza, de bem-estar para as pessoas que aqui vivem e trabalham e, paralelamente, de pólo de atracção de jovens qualificados dos Açores, do País e do mundo.
Há dez anos, avançámos com a proposta e, desde então, temo-nos batido por ela mas, à excepção de sectores ligados à investigação científica, o silêncio (e até o desdém) é o que temos recebido de todos os Partidos: - dos Partidos da oposição e, mais enfaticamente, do Partido do Governo Regional, mais preocupado em gerir a sua teia de interesses, nos pequenos negócios, para alimentar clientelas políticas (com as quais gasta milhões de euros), do que na ambição de projectar os Açores como valência científica da chamada “economia do futuro”, no País e no mundo.
Se dos outros Partidos da oposição - em particular, do PSD, para quem pensar Açores, projectar Açores, é assunto de pouca monta, comparado com a necessidade permanente de defender o Governo da Passos Coelho, seguido de perto pelo CDS/PP -, pouco mais haveria a esperar, ao Partido Socialista e ao seu governo de dezassete anos, outra exigência era devida.
Mas, infelizmente, também do Partido Socialista, o arrojo foi pouco.
Foi preciso vir uma empresa do Canadá - a Nautilus -, oriunda de um país (entre outros) que, em tempo, se virou para a economia do mar, para fazer acordar o Governo Regional. Nesta lógica, há cerca de dois anos, também a União Europeia (pressionada por interesses económicos poderosos) iniciou processos legislativos sobre o potencial de riqueza dos fundos marinhos.
No acordar para esta questão, também o Governo da República legisla, agora, sobre esta matéria, através da Proposta de Lei de Bases do Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo.
Lei que, na sua essência, privatiza o mar português, para servir os interesses económicos das grandes empresas mundiais; lei que abre as portas ao extermínio de outros sectores da economia do mar, desde que colidam com os interesses dos ‘novos senhores’ dos caminhos marítimos; e também lei que faz tábua rasa dos direitos legais dos Açores, consignados na Constituição Portuguesa e no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Estamos a falar de uma Proposta de Lei que determina a exclusividade da gestão do Mar e da exploração dos fundos marinhos, pelo Governo da República.
No concreto e, actualmente, referimo-nos a 1,8 milhões de quilómetros quadrados de área marítima, sendo que a maior parte é mar dos Açores. E caso a ONU aprove, no ano que vem, a proposta nacional de alargamento da plataforma continental, passará para 4 milhões de quilómetros quadrados, continuando a ser a maior parte mar dos Açores.
A exploração destes fundos marinhos, só em cobalto, renderá (segundo estimativas) mais de 200 milhões de euros por ano, fora a exploração de outros minérios e diversas potencialidades na bioquímica.
Como há dez anos afirmámos, uma das âncoras do futuro dos Açores está aqui. E, apesar do atraso, a pergunta que se coloca é esta: como vamos defender esta riqueza, garantindo a sua sustentabilidade?
Em Maio deste ano, este Parlamento aprovou um Projecto de Resolução, da autoria do Partido Socialista, no qual se comprometia a defender os direitos (constitucional e estatutariamente consignados) de gestão sobre o nosso espaço marítimo.
Sendo este o primeiro passo para defender interesses cruciais dos Açores (os quais tiveram da ministra Assunção Cristas, numa primeira abordagem, um desrespeito colonial), sobre as nossas pretensões, estatuídas em Lei, importa perguntar também - hoje e aqui, na Assembleia Legislativa dos Açores - aos Partidos do auto-intitulado “arco da governação” (PS, PSD e CDS) o que vão fazer para obrigar os seus partidos, a nível nacional, a alterar a referida Proposta de Lei.
E, em última instância, saber se os Deputados e a Deputada dos Açores, destes mesmos Partidos, na Assembleia da República, caso a Lei não seja alterada, votam a favor dos Açores ou a favor da proposta do Governo da República?
Está, mais uma vez, na hora de mostrarem que “os Açores estão primeiro”.
E, acerca deste assunto, outras perguntas se impõem: - porque não torna público o Governo Regional o negócio que tem com a Nautilus? Como pensa o Governo Regional garantir os meios necessários, quer para fiscalizar e controlar os eventuais desmandos de uma prospecção contrária aos interesses de outras actividades económicas do mar, quer aos mais que prováveis atentados ambientais?
Como é óbvio - e tendo em conta o potencial económico estimado desta exploração - porque é que o Governo Regional não tem a ambição de aceitar a proposta do Bloco de Esquerda e batalhar para a constituição, nos Açores, de um verdadeiro Centro de Investigação Internacional?
Se o conhecimento é sempre a melhor arma de defesa e de salvaguarda de qualquer exploração sustentável, também, neste caso, pode ser a alavanca para a abertura de ‘novos mundos’, na economia açoriana.