Apresenta-se o Governo Regional, no início desta legislatura, com a declaração de que quer ‘vida nova’, na política de saúde para a Região.
A esta declaração, só por si, nada temos a opor.
Mas, o mesmo já não acontece, quando o Senhor Secretário Regional da Saúde, numa tentativa de branqueamento do passado, afirma que nada tem a ver com ele, pelo que quer apenas falar de futuro.
E é, precisamente, esta a principal razão desta interpelação.
A dívida construída pelos sucessivos governos do Partido Socialista, na Região e só por estes – uma vez que, na governação de António Guterres, a dívida do Serviço Regional de Saúde ficou a zero -, não é passado mas, pelo contrário, é futuro, pois ela vai-nos acompanhar por muitos e muitos anos.
Por outro lado, as declarações do Senhor Secretário Regional, veiculadas na comunicação social, a 2 do corrente mês - “Devem ser os Açorianos a decidir de que forma é que se deve sustentar o Serviço Regional de Saúde e como gerir a dívida da Região, neste sector” levantam-nos fundadas dúvidas e não auguram nada de bom.
De facto, são miméticas das proferidas por Passos Coelho, no que respeita à intenção de cortes no Estado Social (já de si exíguo) que existe no nosso País, cortes estes que, pelo menos retoricamente, têm merecido a oposição do Partido Socialista. Umas e outras resumem-se assim: os cidadãos terão o Estado Social ou, neste caso, o Serviço Regional de Saúde que estiverem dispostos a pagar.
Se não repare, Senhor Secretário Regional da Saúde: já na sua governação, o principal hospital da Região esteve, praticamente, uma semana, sem bloco operatório. Resultado? Instaure-se um inquérito, descubram-se culpados, porque o principal responsável pela área da Saúde, na Região, não sabia de nada. Uma situação de tão grande gravidade, com consequências dolorosas para dezenas de pessoas, aparentemente, apanhou de surpresa a tutela. Como é isto possível?
A seguir, no meio da trapalhada das deslocações de especialistas às ilhas sem Hospitais - ou da proibição das mesmas -, no mesmo dia em que o Senhor Secretário Regional afirma que nada disso é verdade, a nossa televisão mostra a deslocação de várias pessoas de uma ilha para outra com Hospital, para consultas de especialidade. Confrontado com esta evidência, a única resposta é culpar os serviços.
E lá voltamos nós ao mesmo: mas não é o Senhor Secretário Regional da Saúde o responsável máximo por estes mesmos serviços?
A seguir, questionado sobre o aumento exponencial das listas de espera (através de números fornecidos pelos serviços que o Senhor tutela), mesmo depois de injecções de milhões de euros para as diminuir, a única coisa que o responsável pela Saúde, na Região, tem a dizer é que os critérios que subjazem à elaboração destas mesmas listas estão errados. E, mais uma vez, a pergunta que se impõe só pode ser esta: mas não é Vossa Excelência o responsável máximo por estes critérios?
Não queremos acreditar que a história se venha a repetir e que aqui, nos Açores, tal como em Évora, há uns atrás, após a tragédia ter batido à porta de dezoito doentes, se tenha apurado que o único responsável era…o electricista do hospital.
É por todas estas razões (entre outras) que o Bloco de Esquerda tem motivos acrescidos para prever o pior.
E o pior é que, de facto, não estejamos a ponderar propostas de racionalização de meios e de custos mas, coisa bem diferente, de racionamento do direito à saúde dos/as Açorianas/as.
É que nós ainda não esquecemos que, há três anos atrás, a verdadeira prova da governação de esquerda, na Região, era a inexistência de taxas moderadoras, medida positiva que se transformou na bandeira do Partido Socialista/Açores, nesta Casa e em toda a comunicação social. Mas a bandeira acabou por cair sem que, até hoje, se tenha percebido, exactamente, porquê. Inevitável é perguntar: caiu a bandeira ou colapsou a esquerda?
Presentemente e seguindo o guião elaborado para o efeito, o Governo Regional chegou ao fim do processo de auscultação de partidos políticos e parceiros sociais, para a área da Saúde. De acordo com o Senhor Secretário Regional, inicia-se agora um período de reclusão, após o qual surgirá o ovo de Colombo para este sector.
Ora como, na reclusão, estará, inevitavelmente, incontactável (pelo menos, para estas matérias), serve também esta interpelação para permitir que esta Assembleia partilhe e debata as diversas (e, quiçá, opostas) propostas que estão em cima da mesa e, tão ou mais importante do que isto, para que os/as Açorianos/as compreendam o que está, verdadeiramente, em causa, antes de serem confrontados com factos consumados, como já aconteceu noutras áreas e, suspeitamos, voltará a acontecer.
Na nossa opinião, uma nova política de Saúde, na Região, não pode limitar-se a fazer remendos, num barco prestes a afundar-se. Pelo contrário, para ser a sério, terá que ser o resultado de um processo amplamente participado (e, até, contraditado) por todos os protagonistas e agentes do sector, livre dos vícios, dos interesses e das contradições do passado e, sobretudo, perspectivado para racionalizar (e não racionar) um Sistema Regional de Saúde, universal e gratuito, em nome dos seus utentes.
E se é para ser, de facto, a sério, nada melhor do que começar já a trabalhar, no sentido de elaborar e implementar, a partir do próximo ano, um Orçamento de Base Zero, para a Saúde. Se é a sério, este é o momento de identificar as necessidades reais e, a partir delas, equacionar os meios humanos e físicos indispensáveis, bem como a adequada orçamentação.
Tudo isto feito através de um processo que envolva a tutela, os seus diversos departamentos, os diferentes profissionais de saúde, as administrações, as populações e suas contingências, numa palavra, as pessoas. Para nós, Bloco de Esquerda, este é o caminho, na procura da excelência, isto é, um sistema construído por todos, assumido por todos e ao serviço de todos.
Neste processo, os cuidados de saúde primários, a medicina de proximidade, em nossa opinião, teria que ser a jóia da coroa.
Mas para isso não bastam as expectativas do Senhor Secretário Regional da Saúde, que tem esperança que a formação de novos médicos - em excesso, na sua opinião – acabe por (sabe-se lá quando) os obrigar a vir para os Açores, como uma inevitabilidade (mais uma) e não como resultado de uma opção.
Como se os milagres acontecessem, por serem desejados. Como se este objectivo dispensasse políticas activas, criativas e calendarizadas de recrutamento, para colmatar o enorme défice com que as nossas populações, ano após ano, se confrontam.
E, a este propósito, porque não pensar em implementar, na Região, as Unidades de Saúde Familiar que, na República, conquistaram um alargado consenso político e técnico? Há quem diga que, nos Açores, isto é impossível, porque um sistema assim fugiria, perigosamente, ao controle político. Será verdade?
O certo é que os profissionais de saúde se queixam – e, a nosso ver, com razão – de que são, reiteradamente, excluídos dos processos de decisão. Está o Senhor Secretário disponível para inverter esta prática?
Além de tudo isto, um Orçamento de Base Zero seria um poderoso instrumento para acabar com a constante sub-orçamentação da Saúde, muito responsável, aliás, pela dívida com que hoje nos confrontamos. Dívida construída por sucessivas e teimosas más práticas, da responsabilidade do Partido Socialista, o qual, para a esconder, deitou mão a instrumentos de endividamento engenhosos.
E aí temos os Hospitais-Empresa e a Saudaçor, que mais não são do que, por um lado, puzzles de uma engenharia financeira e, por outro, garantias de clientelismo político.
Mas, tal como o azeite, a verdade vem sempre ao de cima, por mais escandalosa que seja.
Chegámos ao luxo de ter 14 administradores hospitalares, repartidos entre 3 hospitais e uma população de 247 mil habitantes. E isto ainda não é tudo, como todos/as bem sabemos.
Está o Senhor Secretário e o Governo Regional disponível para dar uma varredela nestes luxos e mudar toda a estrutura de direcção dos hospitais regionais? E fazê-lo, não só para provar que são luxos inadmissíveis mas, sobretudo, para criar economia de escala e inter-acção entre eles, mais-valias que só podem concorrer em benefício dos utentes? Desde logo, pondo fim a uma situação que o Senhor Secretário Regional denuncia - e bem -, que é a deslocação de doentes para o continente, afim de fazerem cirurgias que poderíamos fazer cá, com toda a penalização que isso acarreta para o doente e respectiva família.
Mas, o Orçamento de Base Zero poderia, também, ser um útil instrumento (se a ele se juntasse vontade política) para combater os interesses instalados, as derrapagens orçamentais, os contratos não cumpridos mas pagos, à cabeça, a preços de ouro, ou seja, situações aberrantes mas demasiado frequentes na governação regional. Umas vezes são erros de projecto, outras, súbitas alterações de políticas, outras, propostas feitas à última da hora, outras ainda, foi o terreno que, inesperadamente, alterou a sua estrutura ou, então, foi a população que rejeitou uma obra absurda. Salvam-se, às vezes, as situações que o Tribunal de Contas declara, explícita e implicitamente, como escandalosas de mais para serem possíveis.
Seja como que for, o resultado é sempre o mesmo: alguém fica com mais dinheiro, mas os cofres públicos, isto é, o dinheiro de todos/as vão, paulatinamente, mingando. Sendo quase certo que não há obra pública em que isto não aconteça, nem a área da Saúde está a salvo deste saque. Do sistema de informatização à tão apregoada, quanto incipiente, telemedicina, o abuso mantém-se. E, contudo, é unanimemente reconhecido que estes dois sistemas, per si ou conjugados, racionalizam meios, servem melhor os utentes e poupam muito dinheiro. Não funcionam só por uma questão de azar? Está o Senhor Secretário Regional da Saúde decidido a quebrar este enguiço da governação socialista?
Antes de terminar, devo colocar-lhe uma pergunta que, sem qualquer tipo de pretensão, se nos afigura útil, para a sua fase de reclusão.
Está o Senhor Secretário Regional empenhado em acabar com a promiscuidade entre o sector público e privado, construindo, progressivamente, um caminho que separe águas entre estes dois sectores, trazendo racionalidade ao sistema, menos custos e uma transparência saudável à vida pública, começando, por exemplo, por pôr termo à negociata da radioterapia?
Na verdade, este é outro escândalo que, em boa hora, o Tribunal de Contas inviabilizou, na sua primeira versão de Parceria Público-Privada.
É que basta atentarmos no seguinte: - na Parceria Público-Privada, os custos de construção dos edifícios e a compra do equipamento correspondiam, em números redondos (e estamos a falar de milhões de euros), ao dobro dos apresentados, na versão mais recente.
Mas, nesta nova versão, ninguém se entende quanto aos dados, sobretudo, com o número de tratamentos e todos/as sabemos que o grande negócio está aqui. Basta ver os milhões de euros que saem pelas janelas do Hospital Amadora-Sintra, em resultado dos tratamentos não contratualizados.
E cá está, mais uma vez, a engenharia financeira. O que não vai para a PPP, vai para uma PPP camuflada, classificada como Projecto de Interesse Regional, ou seja, a Região entra com o dinheiro e o resto logo se vê.
Até pode ser que a história não seja esta, na sua totalidade, mas Senhor Secretário, lá que parece, parece.
Tratando-se do único serviço, desta natureza e nos tempos mais próximos, existente na Região, atendendo a todas as condicionantes que o enquadram, não seria aconselhável pôr um ponto final nesta triste história e assumir o Governo Regional, definitivamente, a concretização de tal projecto, uma vez que os reais valores envolvidos não são assim tão elevados?
E, já agora, a bem da transparência, poderá informar esta Câmara em quanto é que o Governo Regional vai subsidiar este projecto?
O Bloco de Esquerda espera - porque a esperança é a ultima a morrer - que estes contributos sirvam para reflexão, na sua reclusão e que o ovo de Colombo seja, de facto, racionalidade e não racionamento, o qual, no actual quadro social e económico, só penalizará ainda mais os/as Açorianos/as. Esperamos que a linha condutora da sua reflexão seja a proferida, por si, nesta Casa - ‘o utente é o centro do Serviço Regional de Saúde’ - e não aquela onde sobressai a filosofia troikista de que os/as Açorianos/as terão o serviço de Saúde que pagarem e não aquele a que têm direito.
Em jeito de conclusão, o Bloco de Esquerda reafirma, uma vez mais, a sua inabalável convicção de que a Autonomia é um valor máximo a defender, tanto na Saúde, como em muitas outras áreas. E, por isso, não aceitará que sejam os senhores do Terreiro do Paço a virem tecer, a régua e esquadro, o nosso Serviço Regional de Saúde.