Mudar de vida

Os partidos que se arrogam de pertencer àquilo a que designam como ‘arco da responsabilidade’ são capazes de ações de grande irresponsabilidade. Exemplo disso foi o recente episódio de uma eventual passagem de armas ou agentes químicos da Síria pela nossa Região, pois sem qualquer hesitação, estes partidos, serviram-se de uma noticia, porventura fabricada por alguém para vender, ou melhor, ‘dar de barato’ ao mundo, a nossa posição geoestratégica, num exercício dispensável ou até mesmo perigoso.

O desespero de alguém que está a perder um pequeno poder, à dimensão internacional, mas grande poder, aos olhos dos jogos de poder nacionais e regionais, justifica as recentes ações erráticas de quem parece duvidar da nossa posição geoestratégica.

A nossa posição geoestratégica privilegiada é um facto, independentemente da sua relatividade, consoante a complexidade dos jogos de poder à escala mundial. Que o proveito que possamos retirar dessa posição não tenha de ser, forçosamente, para fins militares/belicistas é uma possibilidade e, agora mais do que nunca, uma possibilidade desejável.

Não tenho qualquer dúvida de que os EUA tenham interesse em manter a sua base nas Lajes, mas também não duvido de que este é um negócio em que os EUA ganham tudo e nós perdemos tudo, e este ‘tudo’ acarreta a perda do pouco que receberíamos em troca dessa presença e, sobretudo, a possibilidade de mudarmos de vida.

Este mudar de vida não é compatível com uma presença militar ‘adormecida’, por parte dos norte-americanos, para que possam, a qualquer momento, utilizar a nossa base para colocar as suas peças, onde bem entenderem, no xadrez dos conflitos bélicos internacionais.

Mudar de vida não é continuar a assistir ao aumento do desemprego, devido aos despedimentos de portugueses na base das Lajes.

Mudar de vida não é ambicionar o reforço da presença militar norte-americana, ou de outra qualquer potência militar, na base das Lajes, pois não queremos continuar a assistir impávidos e serenos aos danos ambientais provocados pela utilização militar.

Mudar de vida não é servir de plataforma para passagem de armas nucleares, num passado mais ou menos recente, e desejarmos que se faça o transbordo ou a eliminação de armas químicas no nosso mar, só para provarmos perante o mundo que ainda somos necessários, de tal forma que até antes de sabermos o que estava realmente em causa, já PS, PSD e CDS viam nesta hipotética operação uma oportunidade, sem que soubessem do que se tratava, se de transbordo, e se assim fosse, em que condições seria feito e por quem ou se de eliminação, e nesse caso, sem que tivessem em consideração as consequências ambientais e para a saúde pública. Até mesmo se tudo fosse feito com todas as condições de segurança, haveria que considerar a possibilidade de um qualquer acidente. E se tal acontecesse, que experiência temos em lidar com situações deste género?

Mudar de vida é ter coragem para definir o que queremos para a nossa Região e isso passará, necessariamente, por opções que criem mais e melhor emprego e com impactos ambientais mínimos.

Mudar de vida não é pensar que a economia da ilha será revitalizada se os militares norte-americanos pudessem sair da base fardados para, dessa forma, facilitar as suas idas aos bares e restaurantes da Praia da Vitória. Aliás, tal preocupação, só ilustra uma visão desesperada e redutora de quem, sem abandonar um chão que já deu uvas, continua a querer vindimar em Dezembro.

Mudar de vida não é um exercício lírico, mas sim debater, considerar e fazer com que as nossas intenções se concretizem. Basta ter vontade. Um ‘hub’ para a Praia da Vitória, desde que com impactos ambientais mínimos, um centro de reparação naval na Praia da Vitória e até a possibilidade de transformar a base das Lajes numa plataforma logística para a aviação civil, quando os céus europeus se encontram esgotados de tráfego aéreo, ou qualquer outra alternativa civil que sirva para termos, novamente, o destino nas nossas mãos. Alternativas não faltarão, até porque há vida para além dos caças de última geração, do AFRICOM, do armazenamento de armas nucleares e de sermos um ‘hotspot’ para o transbordo ou eliminação de armas químicas.