Não é na Lua é em Angra

Parece que é uma inevitabilidade, termos uma autarquia, em que tanto o executivo camarário como a oposição tapam os olhos e os ouvidos para não verem, nem ouvirem os problemas sociais decorrentes da transferência de reclusos açorianos de estabelecimentos prisionais do continente para o novo Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, resultando na concentração da maioria dos reclusos açorianos numa só ilha.

É evidente que a Terceira precisava de um novo estabelecimento prisional, mas tal evidência não justifica todo um processo que começou da pior forma e que teima em não melhorar.

No início, assistimos à conturbada aquisição milionária do terreno, para logo de seguida, se constatar que, afinal, a localização do novo estabelecimento prisional era tudo menos consensual. De qualquer forma, o que interessava era construir e construir naquele lugar, o que acabou por ditar a suspensão do PDM para aquela zona.

Apesar da muita insistência, por parte da vizinhança do estabelecimento prisional, para que fossem feitas alterações ao projeto, com o intuito de salvaguardar a privacidade e segurança, quer dos próprios, quer dos reclusos, nada foi considerado. Porque, afinal de contas, o que tem de ser tem muita força.

Em Julho, alertámos para o que será um estabelecimento prisional que, ao contrário do que seria expetável, mais cedo do que tarde, estará sobrelotado, consequência da decisão, por parte do Ministério da Justiça, em não construir um novo estabelecimento prisional em São Miguel, com a agravante de deixar o novo Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo sem guardas prisionais suficientes.

Viemos a confirmar as nossas piores suspeitas através de resposta a questões colocadas, pelo nosso grupo parlamentar na Assembleia da República. Uma resposta demonstrativa da clara ignorância acerca da nossa realidade geográfica, pois para o Ministério da Justiça os reclusos açorianos que se encontram em estabelecimentos prisionais do continente serão transferidos para o novo Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, com o objetivo de os aproximar da sua rede de apoio familiar, uma intenção que não considera que um recluso de outra ilha, que não da Terceira, estará tão longe da sua família como se estivesse num qualquer estabelecimento prisional no continente.

A descontinuidade do nosso território não se coaduna com um estabelecimento prisional que concentra numa ilha, a grande maioria dos reclusos açorianos, resultando em efeitos perniciosos para a reinserção social dos reclusos, principalmente, no usufruto das saídas precárias, um recurso em prol da reinserção que será deturpado, num meio sem o respetivo apoio familiar e social.

É fundamental que a autarquia, em conjunto com as IPSS da ilha, os serviços de Ação Social da Região e com o Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, estabeleça um plano de diagnóstico e intervenção que evite a total inversão dos objetivos das saídas precárias.

Perante a insistência na ignorância, por parte do Ministério da Justiça, esse é um trabalho para ontem e não para quando os problemas começarem a surgir e o preconceito a alastrar. Infelizmente, suspeito que mais cedo alguém quererá capitalizar, politicamente, o preconceito em vez de o evitar.

Se já é grave termos um Ministério da Justiça que impõe sem conhecer as consequências das suas imposições, ainda mais grave é termos uma Câmara e Assembleia Municipal que fazem de conta que não têm um estabelecimento prisional no seu concelho.