O 'canto das sereias' e os 'habilidosos'

Maria do Céu Patrão Neves, ex-eurodeputada eleita pelo PSD, continua a fazer de conta que PSD e CDS não 'venderam' ilusões aos portugueses, nas últimas eleições legislativas, e desdenha o esforço do governo grego para manter o compromisso que estabeleceu com o seu povo.

Para os mais desmemoriados, convém lembrar que em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas em 2011, Pedro Passos Coelho prometeu que não agravaria impostos, que não cortaria salários e, no simbólico dia 1 de abril, comprometeu-se, em público e em frente às câmaras de TV, a não eliminar os subsídios de férias e de Natal.

Paulo Portas, que fazia questão de ser reconhecido como o líder do partido do contribuinte e do pensionista, uma vez no governo, colaborou na opção política de cortar pensões e, em vez de instalar aquele que designou, durante a campanha eleitoral, por 'elevador social', cortou e limitou o acesso ao RSI, quando  os portugueses mergulharam na pobreza e na miséria, resultado do verdadeiro programa eleitoral do PS, PSD e CDS, o memorando da troika.

Para Maria do Céu Patrão Neves, auditar, renegociar a dívida e indexar o juro ao crescimento da economia são sinónimos de 'calote', mas faltar aos compromissos para com os cidadãos e cidadãs é virtude.

O realismo de Maria do Céu Patrão Neves confunde-se com a fatalidade da austeridade que não é mais do que o empobrecimento do nosso país e de outros países da União Europeia para alimentar a ilusão da acumulação infinita de riqueza nas mãos de alguns.

Se não é pela falta de memória, é pela falta de coerência que afetou um deputado regional do PSD que comparou, e bem, as manobras financeiras do Governo Regional que substitui dívida antiga, contraída junto ao Governo da República de Pedro Passos Coelho, por dívida com juros mais baixos, mas omite que os últimos pseudo-milagres financeiros de Pedro Passos Coelho seguiram a mesma lógica, ao amortizar dívida junto ao FMI com recurso a empréstimos de instituições financeiras, e são propagandeados na opinião pública como se de uma reestruturação da dívida se tratasse. Pois é, temos habilidosos no Governo Regional, mas também os temos no Governo da República, sempre prontos para depenar o povo, mas sempre dispostos a fechar os olhos aos calotes ocasionados pelos desvarios da banca e das parcerias público-privadas e à entrega do pouco que ainda é de todos (empresas públicas e fundos de pensões) para alimentar os negócios dos grandes grupos rentistas.

O que me indigna não é a crítica dirigida a quem defende alternativas à austeridade e à pobreza, até porque vivemos numa democracia com liberdade de expressão e de opinião, mas antes a fragilidade dos argumentos estafados e que se baseiam numa campanha de culpabilização de quem não tem  responsabilidade pela situação económica a que chegámos. Uma campanha segundo a qual há que salvar bancos para evitar o risco de contágio no sistema bancário, como se a propagação da pobreza e da miséria, por contágio, não fosse um risco inerente à austeridade.