O Verão elétrico de 2013

Nos últimos anos, e principalmente na época de verão, os cortes na energia elétrica, na ilha Terceira, causaram 'dores de cabeça' aos consumidores domésticos e ataques de fúria aos consumidores empresariais. Mais do que compreensível, não fosse a energia elétrica, um dos maiores (ou mesmo o maior) custos de produção de qualquer empresa, com maior peso em comparação, por exemplo, com os encargos salariais.

Os prejuízos causados com os cortes de energia elétrica, ainda mais notórios, na época de verão, e as consequentes queixas, com toda a razão, da desproporcionalidade entre custo e qualidade do serviço foram-se acumulando ao longo dos últimos anos.

Contudo, as reivindicações resultantes das queixas que se ouviam (e se ouvem) 'à boca pequena' muito raramente se direcionavam (e direcionam-se) aos lucros que, em vez de serem reinvestidos na própria empresa, são divididos pelos acionistas da empresa pública de eletricidade (Região e acionistas privados) e muito menos para o duplo estatuto dos trabalhadores desta empresa, os quais, ora são equiparados aos funcionários públicos, ora aos trabalhadores do setor privado, consoante as vicissitudes daquilo que der mais jeito para os prejudicar.

Tudo se cinge ao senso comum (não confundir com o bom senso), para o qual a situação financeira da empresa pública é sempre uma nebulosa, os trabalhadores são uns 'malandros' que não pagam eletricidade (o que não corresponde à verdade) e são responsabilizados pelas diversas avarias. Tudo se resolveria com a privatização plena, a qual traria uma Administração com um 'braço forte' contra os trabalhadores 'privilegiados' e com a 'rédea curta' da precariedade como a única forma de motivação.

'Cereja no topo do bolo' seria o aparecimento de concorrência, um fator que no mundo do 'senso comum'  funcionaria como uma variável, numa fórmula matemática, no domínio do economês, em que quanto maior o número de empresas concorrentes, menor o preço praticado ao consumidor. O mesmo 'senso comum' que se esquece de vários exemplos que demonstram o contrário: telecomunicações, transportes públicos rodoviários, combustíveis e até o preço do pão.

Foi nesse verão de 2013, mais precisamente em agosto, que surgiu a boa-nova para quem, há demasiado tempo, tem tido sempre muitas certezas e poucas dúvidas acerca daquilo que é melhor para a Região e para a ilha Terceira. Essa boa-nova foi a instalação de um parque eólico na serra do Cume, por parte de uma empresa privada. Estava dado, segundo o 'senso comum', o primeiro passo para a criação de concorrência no mercado da energia elétrica na Região!

Uma empresa privada que venderia a sua produção elétrica à empresa pública e, segundo noticia daquela altura, até venderia diretamente ao consumidor! No entanto, tal só tinha sido possível, porque essa mesma empresa privada receberia financiamento público (quase 4 milhões de euros). Ou seja, uma empresa que receberia um apoio financeiro público para instalar o seu negócio, o qual seria rentabilizado através da venda da produção elétrica a uma empresa pública. Tudo a bem da Região! Agora sim! Teríamos energia mais barata!

Tenho poucas certezas, mas uma dessas certezas dizem respeito ao que se passou no verão de 2013. Estivemos perante uma das maiores evidências de um negócio garantido e rentista na área da energia, tudo dentro da legalidade, graças a uma opção política, apoiada por um 'senso comum' que tem fabricado muitas certezas e poucas dúvidas.

Sei que esse financiamento público poderia ter tido outro destino, quem sabe, igualmente, na promoção de energias renováveis, mas através do setor público para nos retirar da dependência das energias fósseis que tanto encarecem a fatura que pagamos pela eletricidade.