A oportunidade perdida: A Dependência da Incineração

“Os Açores são uma região com uma grande dispersão geográfica. Para além disso são ilhas que distam, aproximadamente, 1500 quilómetros de distância do continente.”

Esta primeira observação, por mais trivial que pareça, é importante para a discussão que se terá em seguida.

Observe-se ainda este comentário do anterior Presidente da EDA, Roberto Amaral, em 2010, no Açoriano Oriental:

“ ... Estão neste momento a decorrer em S. Miguel vultuosos investimentos de prospecção de novos reservatórios geotérmicos e de novos poços de produção com vista, precisamente, a aumentar a capacidade de produção geotérmica, estando, paralelamente, a decorrer um concurso público internacional para a instalação de um parque eólico com 10 MW de potência. Este conjunto de novos investimentos esgota a capacidade de integração plena de energia renovável nos próximos anos, pelo que a produção de energia eléctrica proveniente de uma instalação de incineração só poderia ser injectada na rede fora das horas de vazio, ou retirando de serviço, nessas horas de vazio, outras centrais com produção renovável, nomeadamente as geotérmicas.“

Esta segunda observação é fundamental para perceber o título deste artigo.

Imaginemos que, neste instante, passaram 10 anos. Existem duas incineradoras nos Açores, uma em Ponta Delgada, para uma tonelagem aproximada de 90 mil Tonelada/ano, enquanto que a da Terceira, de 40 mil Tonelada/ano. Estamos em 2024, faltam 6 anos para que se cumpram as metas aprovadas no Conselho Europeu de 24 de Outubro p.p., a reciclagem de 70% dos resíduos urbanos  (atualmente a percentagem proposta é de 50% mas está em discussão na Europa uma proposta para atingir os 70%), o aumento da eficiência energética em 27% e a garantia que o total de energia produzida na Europa por fontes renováveis atinja os  27%.

Estas metas criam uma dinâmica muito especial na economia europeia. Os edifícios passam a obedecer a regras muito restritivas que impõem a redução do seu consumo energético. As novas tecnologias de construção apresentam novas soluções para produção de energia nos edifícios. As torres de energia eólica e os painéis fotovoltaicos tornam-se mais eficientes. Os sistemas de acumulação energética, por processos químicos, aumentam a sua capacidade e tornam-se parte de soluções integradas, a tecnologia para produção de energia das ondas e marés torna-se acessível. As cidades são dotadas de sistemas inteligentes de monitorização e gestão da distribuição de energia (veja-se o projeto Europeu  SINGULAR - “Smart and Sustainable Insular Electricity Grids Under Large-Scale Renewable Integration” especialmente preparado para  regiões insulares e do qual a EDA faz parte) que contribuem para a redução do consumo energético. O passivo associado às embalagens torna-se menor através da redução, prevenção e de processos de separação inovadores bem como pela criação de novos materiais. Este é um cenário mais que provável.

Ora é este o cenário que está hoje em cima da mesa quando se discute a economia do futuro. Não são as incineradoras que irão produzir a energia do futuro. Não são elas que serão a solução para os problemas dos resíduos do futuro. Elas apenas atrapalham este “futuro” porque  os recursos que consomem em custos de manutenção, nos custos associados à injeção de fuel ou de pelettes de madeira para manter uma temperatura estável, os riscos associados à libertação de poluentes e os riscos e os custos da manutenção de um aterro de materiais perigosos (sim, terá de ser criado uma aterro para receber as cinzas que são materiais contaminados e obrigam a um tratamento especial), vão exigir que  se mantenha constante a produção dos resíduos urbanos que alimentem ad continuum as máquinas de queimar resíduos. Lá se vai a meta dos 50% (as de 70% nem se fala) de resíduos urbanos reciclados. As incineradoras não deixam. Para além do mais, a energia produzida terá que ser vendida, no caso dos Açores, à EDA. Caso contrário, os custos com a incineração serão demasiado elevados para os munícipes das diferentes localidades.

Voltemos agora às observações no início do artigo. Na Suécia, país apontado como exemplo da incineração, tem já um problema. Não tem resíduos suficientes para queimar. Atualmente vão buscar resíduos à Noruega e Reino Unido. Será que iremos importar resíduos de...onde? A EDA continua a investir na geotermia e nas eólicas. Ainda não chegou a acordo sobre a possibilidade de comprar a energia produzida pelas centrais de incineração. Se sentirem a azáfama dos governantes da região em criar centrais hidroelétricas reversíveis (nas Furnas em S. Miguel e nos arredores de Angra na Terceira) já sabem porquê. Querem-se livrar da energia a mais que irão produzir com a incineradora nas horas de vazio. Como não precisamos da energia “à noite”, elevamos a água para um reservatório bem alto para, depois, quando precisamos dela, descarregar essa água para a central hidroelétrica. Vamos produzir resíduos para ter energia produzida nestas centrais? Serão mesmo necessárias? E que riscos comportarão? No caso das Furnas eles têm sido amplamente noticiados. Não só o efeito da bombagem  provoca um aumento na turvação da água, com o consequente aumento da eutrofização da  lagoa, como as mudanças nos caudais que resultarão da sua construção aumentam a  incerteza quanto o risco acrescido provocado pela alteração dos caudais na linha de água que  vai desaguar na freguesia da Ribeira Quente, vizinha da freguesia das Furnas, localizada junto ao mar, e desconhecendo-se ainda o efeito cumulativo, isto é, que se vai agravando ao longo do tempo, que a obra tem nos caudais das nascentes responsáveis pelo fornecimento de água às populações. O estudo realizado no Instituto Superior Técnico (http://bibliotecas.utl.pt/cgi-bin/koha/opac-detail.pl?biblionumber=433483) refere categoricamente: “Todo o conjunto de factores ambientais avaliados demonstraram de um modo conciso que qualquer tipo de impacte de magnitude média poderá por em causa a beleza e harmonia tão particular deste local.”

E nos próximos 30 anos, na Terceira e em S. Miguel? Vamos reduzir o consumo de energia? Nem pensar. Vamos reduzir e encetar campanhas para prevenir a produção de resíduos? Nem pensar. Há que defender o “negócio das máquinas”. Nos próximos 30 anos  todos teremos de pagar os empréstimos que faremos para as comprar, as pôr a funcionar e pagar os seus custos de exploração. E tomem nota. Nas contas dos governantes, os Açores têm de produzir a mesma quantidade de resíduos durante todos esses anos.

E nesse período não haverá espaço para investir na economia verde, que inclui as alternativas que já hoje são viáveis para o tratamento dos resíduos (vejam o exemplo do Nordeste), essa economia que hoje desponta nos países nórdicos como a Suécia (ah! não nos podemos comparar com esses países evoluídos!), essa economia  que será fonte de novos empregos e de um futuro sustentável na Europa. E esta?