POSEI não rima com TTIP

A agenda neo-liberal, imposta aos povos da União Europeia (UE) e obedientemente cumprida pela maior parte dos respectivos governos, tem vários e muito pouco recomendáveis desígnios, entre eles: brutal transferência do rendimento do trabalho para o capital; impunidade do sistema financeiro; ataque às justas conquistas dos/as trabalhadores/as; destruição da contratação colectiva; completa desregulamentação dos mercados.

Importa-me, hoje, reflectir, ainda que muito sucintamente, sobre este último, até porque já não são poucas as vozes que se levantam, no seio de UE, alto e bom som, seja contra o conceito essencial do POSEI, seja contra a discriminação positiva de que as RUP (Regiões Ultra-Periféricas) são destinatárias.

Em Julho passado, o Parlamento Açoriano aprovou, por unanimidade, um relatório que dava corpo à sua posição sobre o Programa POSEI 2014-2020. Entre as diversas conclusões deste relatório, permito-me realçar as seguintes: - afirmar o POSEI como um instrumento fundamental de apoio às RUP, em particular à RAA, dada a importância e o peso que o sector agropecuário tem para a economia das ilhas e para a manutenção da paz social; - o POSEI deverá valorizar os produtos com qualidade reconhecida pela UE, premiando a qualidade e o respeito pelos padrões ambientais; - defender, junto da UE, um POSEI como instrumento de redução de impactos negativos, nas produções agrícolas locais, resultantes de acordos multilaterais com países terceiros, bem como com eventuais impactos negativos para a fileira do leite da Região, resultantes do fim do regime da quotas leiteiras.

Quanto a estas e demais conclusões, estamos absolutamente de acordo. Mas, a mim, ensinaram-me que não é possível ‘beber em vinho e comer em uvas’, razão pela qual não consigo perceber como é que os mesmos protagonistas políticos que defendem (e bem) as posições de clara regulamentação atrás referidas, podem lançar foguetes e manifestar grandes expectativas sobre o Tratado de Livre Comércio entre os Estados Unidos da América e a UE (TTIP), o qual consigna total desregulamentação… E porquê?

Desde logo, porque o que se conhece das negociações deste acordo é muito pouco ou quase nada, já que decorrem longe da vista dos/as cidadãos/ãs e da comunicação social dos respectivos países. O secretismo à volta destas negociações é grande mas já foi quebrado, algumas vezes, por fugas de informação. E o resultado destas fugas é, deveras, preocupante, aconselhando, no mínimo, uma tomada de posição muito crítica e reivindicativa, relativamente ao TTIP!

Na prática, o TTIP irá criar uma carta de direitos das multinacionais, equiparando-as a Estados e aumentando o seu poder sobre estes. Os Estados ficarão privados de agir, quando as suas medidas possam prejudicar os interesses dos grandes empresas, sendo que a estas é dada a possibilidade de processarem os Estados em tribunais privados. Querem um exemplo?

Na Austrália, país que assinou um tratado semelhante, a gigante tabaqueira Philip Morris reclama, agora, milhares de milhões de dólares ao Estado, a título de lucros perdidos com as novas restrições, na venda de tabaco, aprovadas pelo governo australiano!

Acresce que os direitos laborais, sociais, económicos e até a própria Constituição Portuguesa irão ficar sob o fogo cruzado de quem manda mais…e os Açores não constam deste grupo. É isto que queremos para a nossa Região?