Adeus, Zuraida

A 8 de fevereiro de 2020, Zuraida Soares deixou de estar entre nós, vítima de doença.

Da mesma forma que enfrentou a vida - com coragem e abnegação - enfrentou mais esta prova, colocada pela mãe natureza, com serenidade e clarividência notáveis.

Zuraida Maria de Almeida Soares, nasceu em Lisboa, a 26 de Julho de 1952, no seio de uma família da classe média. O pai foi um destacado militante comunista e combatente antifascista.

Na adolescência, ruma a norte fixando-se na cidade de Espinho. Nesta cidade termina os estudos secundários e continua os seus estudos universitários no Porto, na Universidade Católica, onde se licencia em Filosofia e posteriormente forma-se em Ciências da Educação e conclui duas pró-graduações em Filosofia Contemporânea e Medieval.

Foi professora do ensino secundário durante 23 anos. Em 1995 vem para os Açores para lecionar na Universidade dos Açores. Anos mais tarde assume a direcção do Centro Comunitário de Apoio ao Imigrante da Cresaçor.

É mãe de quatro filhos, duas meninas e dois meninos: a paridade perfeita.

Todos a conhecemos como uma mulher de causas, sempre empenhada. Nada na vida lhe era indiferente. Era feminista consequente, defensora das minorias e dos direitos individuais, lutadora intransigente contra as injustiças e a exploração do ser humano por outro ser humano, como ela gostava de sublinhar.

A sua atividade cívica e política começa cedo. Na universidade empenha-se na luta antifascista, o que lhe cria dissabores com a PIDE. Já em Braga, onde viveu parte importante da sua vida, é fundadora da Associação Arco-Iris - que viria a presidir -, cuja finalidade central era o combate aos desmandos urbanísticos provocados pelo urbanismo selvagem. Neste processo aproxima-se da política partidária e adere à Política XXI (um dos partidos fundadores do Bloco de Esquerda).

Nos Açores, a sua atividade política e cívica manteve-se de forma contundente. Em 1998, desafiando o conservadorismo reinante, é um dos rostos centrais, nos Açores,  da luta pela despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, no referendo desse ano. Este facto, em simultâneo com outras tomadas de posição públicas, levam a que instituição universitária coloque em causa a sua continuidade como professora na nossa academia.

Esta circunstância, a par da destruição de um carro, sua pertença, ou o facto de ter sido brutalmente agredida, numa noite à porta de sua casa – o que a levou para a urgência hospitalar – não a remeteu ao silêncio, nem a impediu de continuar a sua luta.

Adere ao movimento que faz nascer o Bloco de Esquerda, do qual é fundadora, em 1999. No Bloco de Esquerda é coordenadora regional entre 2004 e 2014 e entre 2016 e 2018.

Foi membro da Mesa Nacional por diversos mandatos e da Comissão Política Nacional entre 2014 e 2016.

Foi eleita para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores pela primeira vez em 2008, onde se manteve até 2018, tendo sido reeleita duas vezes.

No Parlamento, todos e todas conhecemos a sua paixão pelo debate, a acutilância com que defendia as suas causas, a inteligência e o humor que colocava no debate parlamentar.

Esteve sempre na defesa empenhada da terra que tornou sua, os Açores. Pugnou contra o conservadorismo, pela transparência da coisa pública, pelo desenvolvimento assente no conhecimento e sempre, mas sempre, pela cultura, como pilar de uma melhor sociedade.

Esta é uma súmula da tua vida pública, dedicada à liberdade, à democracia, ao combate a todas as formas de discriminação e injustiça. Uma vida, como dizias, "vivida e gozada".

Mas não posso deixar de prestar homenagem ao teu humanismo. Fosse camarada ou não, todos à tua volta, em períodos de dor e sofrimento, sabiam poder contar com a tua presença, a tua palavra o teu apoio, o teu incentivo.

Vamos sentir saudades da tua gargalhada, da tua alegria de viver, da tua força – onde o impossível não existia – e mesmo da tua obstinação para que tudo estivesse pronto ontem.

Vamos seguir o teu exemplo. Nos dias em que as coisas correrem menos bem dizias: ”Bora, vamos beber um copo, amanhã é outro dia".

 

António Lima - Pel'A Comissão Coordenadora Regional do BE/Açores

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