“Agora este!”

Entrevista do Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande a programa de rádio alertou-me para o seu contentamento relativo à construção de dez novas unidades de alojamento turístico com a capacidade de novecentas camas na faixa litoral do Bandejo aos Areais. Inusitada expansão mono-funcional da cidade, disparate de ordenamento do território, fruto de tanto regozijo, reconduziu-me ao texto do arquitecto José Charters Monteiro de 2006(!) intitulado “Obras costeiras: a cobiça chega aos Açores?”, in “Arquitectura assim ou ao contrário?”, ADC Editores, que aqui calça que nem uma luva, e por isso dele transcrevo:

...”Estamos, pois, com destaque para a orla costeira, sujeitos a uma operação de grande envergadura que, no médio prazo, nos esgotará recursos do solo, irrecuperáveis.

...O “jogo” das orlas costeiras é adverso, porque o solo, base de toda esta actividade, é ocupado, quase irreversivelmente, condicionado, objecto de alterações ambientais degradadoras, na maioria dos casos. É uma actividade, para benefício externo, que utiliza uma “barriga alugada”: o nosso território. ...Imagine-se esta apetência pela orla marítima em território sem “interior”, uma ilha!...Criar riqueza, acautelando recursos, obriga a repensar objectivos e os seus modelos de concretização.” O texto de 2006, era um alerta anterior ao Plano de Ordenamento da Região Autónoma dos Açores (POTRAA), que é de 2008 e foi suspenso em 2010, sem retorno, permitindo a coberto dos PDM’s, que a cada revisão aumentam os índices de construção e as dentadas nas áreas agrícolas e florestais, esta cobiça desenfreada, que não acautela o ordenamento do território. A operação ausente de qualquer estudo, de qualquer plano de pormenor, que não acautela recursos, nem é pensada enquanto expansão estruturada da cidade, transforma a Estrada Regional em rua, sem que se lhe alterem as suas características de estrada, porque também não deixa de o ser; toda a intervenção actua sobre solo agrícola que esgota e sobre a frágil falésia sujeita a conhecida erosão, que as alterações climáticas tendem a aumentar; a descompensação de larguras dos lotes envolvidos, ditada pelo cadastro, indiferente enquanto solo agrícola, acentua o disparate urbano donde ressaltarão volumetrias no conjunto de composição aleatória, ou garantidamente dela ausentes, e a inexistência de áreas verdes e de espaços públicos adequados a tamanha operação “urbana”, que o plano de pormenor adequaria, através de perequação, assumindo a faixa, o conjunto, como um todo; garante a sobrecarga sazonal de efluentes domésticos num frágil sistema de saneamento com as implicações que se conhecem, e de maior consumo de água na época estival, quando ela é mais escassa. Esta indústria extractiva, que tantas vezes é fruto de apoio público, que requereria aturadas cautelas, faz-se sem controlo, e por isso em qualquer lugar, quando prioritáriamente deveria preencher os vazios do tecido urbano da cidade, tornando-a multifuncional, mas assim sendo sem critério, impõe-se à habitação que é um direito, mas não parece, e por isso, avessos ao planeamento, espelhar-se-à a diferença de tratamento demonstrada no tecido habitacional que com a futura operação confronta, que sobre os residentes recai.