A coberto da inoperância do PRR, que tem “as costas largas”, acaba de entrar na Assembleia Legislativa Regional um Projeto de Resolução do «That’s Enough» (for papers), que tão só, pretende a suspensão por um período de três anos dos principais Planos de Ordenamento que fazem parte integrante do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, nomeadamente dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC’s), do Plano Regional de Ordenamento do Território dos Açores (PROTA), e dos Planos Diretores Municipais (PDM’s), ou seja, o projeto, como se não bastasse a recente alteração à chamada “lei dos solos”, pretende acabar com o ordenamento do território para que se possa construir onde, e o que, quer que seja.
Curiosamente o «That’s Enough» não votou a “lei dos solos” na Assembleia da República, para vir aqui, onde o território é mais frágil, ver se consegue impôr a ausência de regras no seu ordenamento e abrir as portas a todo o tipo de negociatas, que jamais resolvem qualquer problema de falta de habitação, antes continuam a inflacionar o mercado, onde os Açores lideram o aumento dos preços da habitação, onde Lagoa e Ribeira Grande aumentaram 30%, no último ano.
Neste quadro, a revisão do PDM de Lagoa, e de Vila Franca, ambos em curso, virão ainda, reforçar aqueles valores. Este despropósito, por falta de tempo, já não resolve qualquer tipo de candidatura a nível do PRR, que enformou pela nossa falta de política da habitação, resumida à gestão anual das candidaturas a apoios, desprovida de planeamento e criação de bolsas públicas de terrenos e habitação. Como o arquitecto Nuno Portas refere no seu livro “Os Tempos das Formas”: “Não acreditemos numa intervenção eficaz baseada na encomenda de projetos se não existir antes, e depois, no terreno, um sólido gabinete de gestão das operações.” O PRR atacou-se como um incêndio, e alguns projetos arderam.
Os planos de ordenamento do território, a que somos avessos, quando bem projetados, não são meros gestos gratuitos sobre aquele, antes contêm objetivos de desenvolvimento económico social e ambiental da Região, formulam estratégias de ordenamento territorial para atenuação de assimetrias de desenvolvimento, asseguram o aproveitamento racional dos recursos naturais, garantem a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, garantem a defesa e valorização do património cultural e natural, e promovem a valorização integrada das diversidades do território, conjunto de valores demasiado importantes para que sejam postos de lado em favor de uma construção desenfreada, determinada por lucros imediatos, com perda de valores sociais e territoriais.
A pressão sobre a orla costeira é conhecida; na Ribeira Grande estão só, licenciadas dez unidades hoteleiras, entre o centro e os Areais, operação cuja continuidade e envergadura, esgotará recursos irrecuperáveis, deteriorará o frágil sistema de infraestruturas, ainda por sustentabilizar, ainda que no curto prazo promova a construção. E não se pense que esta pressão, apenas afeta a ilha de São Miguel, porquanto generalizou-se e já se espalhou pelo arquipélago, atacando territórios muito frágeis, de outras ilhas. Mas este jogo é adverso, veremos se lhe resistimos. Criar riqueza, acautelando recursos, preservando o território, a sua escala, a sua capacidade de carga, salvaguardando valores sociais, obriga a repensar objetivos e os seus modelos de concretização, que só uma política de planeamento consegue, e se traduz em planos de vária ordem, e nunca, na sua suspensão a caminho da sua eliminação absoluta, como o Projeto de Resolução, agora apresentado pretende.