A amizade é um espaço vazio

Algo importante nas nossas vidas é a vivência em comunidade, queremos sentir-nos incluídos. Aliás, precisamos de nos sentir incluídos. Há uma validação social que, quer queiramos, quer não, desempenha um papel importante na nossa autoestima. Uma peça fundamental deste sistema é, portanto, a amizade. Uma vida sem amigos será, provavelmente, uma vida tendencionalmente infeliz. O contrário não nos é intuitivo, sendo que mesmo a solidão romantizada dos génios da História está associada a uma angústia. Hoje passo por aqui para deixar uma pergunta: o que é a amizade?

Bem, em bom rigor, é um papel em branco onde escrevemos o que quisermos. Há tantas formas de amizade, uma mesma pessoa vê amigos de forma diferente. Ao fim e ao cabo, amizade é o que quisermos que ela seja, sendo que estas darão certo se as interpretações dos dois lados forem semelhantes. De resto, de filósofos a sociólogos, passando por psicólogos, já se fez escorrer muita tinta. Em última instância, podemos adotar uma perspetiva cognitivista e culpar as hormonas.

Aquilo que me parece óbvio é que a amizade tem de passar pela fraternidade, um sentimento de proximidade, que vai além da empatia. Quando nós pensamos em qualquer ser humano, a fraternidade também deve ser evidente, uma vez que é nosso semelhante, ou seja, podemos tentar imaginar o que sente, reconhecer a visão, que é o mesmo que dizer ter empatia, pelo que a amizade tem de ser o aprofundamento dessa perspetiva.

Parece-me que a característica maior seja a lealdade – que se note que esta lealdade não advém de uma hierarquia, não é imposta, é mútua e voluntariamente estabelecida por duas pessoas. Ser leal a alguém é não só olhar para o outro como um igual, mas também valorar o outro. Aceitamos ceder parte da nossa conduta ao outro, o que é o mesmo que dizer que damos parte de nós ao outro e vice-versa.

Claro que as amizades não são todas iguais: as diferenças surgem das diferentes formas e intensidades de lealdade. Diferentes formas na medida em que o contexto em que conhecemos e interagimos com a pessoa faz valorar diferentes traços, sendo o respeito que a ela temos que gera a lealdade. Diferentes intensidades, tendo em conta a confiança gerada.

A mais forte das amizades será aquela que tiver a maior intimidade emocional e confiança máxima. Muito bonito por escrito, mas claramente difícil de medir empiricamente.

O passo depois disto é pensar na questão amorosa: esta máxima amizade será necessariamente um caso de amor? Aquilo que me parece é que amor e amizade são um e um só, na medida em que a intensidade do amor varia tal como a amizade. À partida, o nosso parceiro será com quem temos a maior amizade, no entanto não significa que não possam existir amigos com quem sentimos a mesma intimidade. Parece-me natural questionar se será assim tão descabido falar-se da possibilidade de se ter mais de um parceiro.

Se a nossa sociedade vê com naturalidade a possibilidade de se casar várias vezes ao longo da vida, então reconhece que é possível uma pessoa sentir essa lealdade, com tudo o que acarreta, por várias pessoas. O que impede de isso acontecer simultaneamente? As relações que estabelecemos são dinâmicas, ao longo do tempo vamos criando laços, quebrando outros, aumentando e diminuindo,… Há uma tentativa castradora de tentar conferir estabilidade a um processo que não a tem.  Se somos melhores quando estamos com quem nos estimula, imagina-se a felicidade e produtividade que não se está a perder hoje.

No fim de contas, a única coisa que interessa é na minha lápide constar: pessoa ridiculamente chata, mas presente onde e quando era preciso.