A democracia não está suspensa

Foi declarado estado de emergência, uma prerrogativa da Constituição, herdeira do 25 de abril. Não sendo, por conseguinte, uma medida antidemocrática porquanto enquadrada e justificada. Sinal disso são os critérios que presidem à sua aplicação, a qual não depende única e exclusivamente do Presidente da República, tendo de ter o aval quer do Governo quer da Assembleia da República e a auscultação as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

Sendo eu filha de Abril e acérrima defensora da garantia de direitos e liberdades, parece-me que ninguém ficou (ou está) confortável com o voto favorável que confirmou o estado de emergência, nem mesmo quem o propôs, assim como ninguém ficaria confortável se votasse contra.

Este não é o tempo para se ficar confortável, mesmo sabendo que a incerteza é, na vasta maioria dos casos, a justificação para a abstenção. Mas a incerteza, neste caso, não é uma propriedade exclusiva da nossa perspetiva sobre esta crise. A incerteza é o que politica e tecnicamente marca esta crise.

Bem sabemos que só no ano passado tivemos mais vítimas mortais, em Portugal, provocadas pela gripe sazonal do que aquelas registadas, até agora, resultantes do COVID19 - e tomara que essa seja uma realidade no final desta crise.

Não podemos ignorar que, de acordo com a perspetiva científica, quanto mais cedo e integral for o confinamento das pessoas, mais cedo voltaremos à quase normalidade das nossas vidas, mesmo sabendo que a normalidade não será aquela a que nos habituamos.

Creio que este não é o tempo para debater acerca do aprofundamento do processo autonómico e se a CEVERA deveria ter previsto e considerado o estado de emergência - bem ao jeito da expressão popular «se o meu tio não tivesse morrido ontem ainda estaria vivo».

Fazer desta decisão um meio para separar democratas de antidemocratas e autonomistas de antiautonomistas é de um aproveitamento político atroz. Essa é uma separação que só fará  sentido, uma vez ultrapassada a disseminação deste vírus e quando tivermos que lidar com as consequências de todas as decisões políticas e técnicas, porque nem umas, nem outras são infalíveis.

O nosso regime autonómico nunca colocou em causa o caráter unitário do Estado, sobretudo no que toca às políticas de Defesa, Negócios Estrangeiros e Administração Interna. Quem tiver ideias mais avançadas já entrou no campo do independentismo, aproveitando-se deste momento para fazer render os ideais mantidos em «lume brando» durante o regime autonómico.

Reza o bom senso, e já agora a própria Constituição, as normas inerentes à aplicação do Estado de Emergência e o caráter autonómico dos Serviços de Proteção Civil das Regiões Autónomas, que quaisquer normas da República sejam adaptadas à realidade da Região através da audição do Governo Regional.

Por cá, é fundamental que se criem as condições de funcionamento na Comissão Permanente, a qual não substitui o plenário, mas que cumprirá o papel de promoção do debate e fiscalização política do Governo, não ficando de forma alguma a democracia suspensa –nunca esteve e não estará.

É de salientar a importância crucial do Estado e dos serviços públicos em situações de crise. O que seria deste país se tudo tivesse sido privatizado? O que seria desta Região se a SATA tivesse sido privatizada? Estas são questões que se impõem e que muitos liberais, nestes tempos que correm, até já exortaram o Estado a intervir na economia.

Saúde e muita responsabilidade para que possamos comemorar as portas que Abril abriu – aqueles e aquelas que prezam essas conquistas, claro está.