Desde há algum tempo que se fala de incineração nos Açores. Fala-se, mas fala-se entre dentes, fala-se no silêncio de siglas, fala-se entre paredes. Fala-se porque tem de se falar, mas mesmo assim tenta-se que essa conversa não passe de um monólogo.
É assim, mais ou menos assim, na linha do não dar muita margem a questões, na linha do desviar o assunto para que o tema não surja, que o (mega) projeto para uma incineradora na ilha Terceira tem passado por entre as gotas da chuva. Fazendo-se despercebido…
E, despercebidamente, estamos a falar de valores como 30.992.228€, provenientes de apoios comunitários. Mais de 30 milhões de euros que, desde logo, foram questionados pelas ilegalidades que poderão comportar.
Questões como valores envolvidos, normas, diretivas, União Europeia, metas de reciclagem, alternativas, foram colocadas pelo Bloco de Esquerda, mas como sempre as respostas basearam-se na “não resposta”.
Recentemente, num debate, tive (e todas pessoas presentes tiveram) a possibilidade de ouvir as posições de Marisa Matias (candidata pelo Bloco de Esquerda as eleições europeias), Rui Berkemeier (QUERCUS) e do Professor Doutor Paulo Monjardino (administrador da TERAMB).
Entre a exposição de um conjunto de diapositivos (alguns desatualizados, com detalhes por explicar) e as questões que iam sendo colocadas foi-se tornando ainda mais clara a incoerência e a ilegalidade que a construção de uma incineradora poderá representar. Ou seja, uma decisão política que, pelo referido pelo administrador da TERAMB, recebeu o aval das “forças vivas da ilha”.
Constatei que não sou uma força viva da ilha! E, tal como eu, muitas outras pessoas. O assunto não foi um segredo, mas passou pela não informação. Para as “forças vivas” falou-se em resíduos urbanos. A restante população leu, ouviu o conceito lixo e que esse simplesmente desapareceria. A forma como esse desaparecimento acontece não foi referida, não foi explicada. Não convinha! Não convém! Explicar uma medida que futuramente poderá ter repercussões negativas para a Saúde, o Ambiente e a Economia…
Resumindo: as forças menos vivas da ilha tinham razão. O projeto de incineração promovido pela TERAMB não cumpre as exigências da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) no que respeita a metas de reciclagem, nem respeita a Diretiva da hierarquia para a gestão de resíduos, na qual a reciclagem deve surgir a montante da valorização energética.
Assim sendo, e de acordo com o projeto para a incineradora, não haverá uma triagem de materiais recicláveis que existam nos resíduos urbanos (lixo) e que poderiam ser reciclados…
Face a tudo isto a QUERCUS apresentou à Comissão Europeia uma queixa contra o Estado Português por incumprimento da legislação sobre a Avaliação de Impacte Ambiental e Resíduos relativamente ao projeto do incinerador da TERAMB na ilha Terceira, solicitando averiguação esuspensão da atribuição de quaisquer fundos comunitários dirigidos ao Projeto Central de Tratamento e Valorização de Resíduos.
Em jeito de conclusão, percebi que a minha previsão da futura conjugação dos verbos reciclar e incinerar estava correta (eu reciclei/tu incineras) e que, afinal, as vozes de burro podem, e muitas vezes devem, chegar ao céu.