Olá Miguel! Vieste hoje às aulas?

 

"Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for" (Zeca Afonso)

Pode parecer descontextualizado o título deste meu artigo e a citação do Zeca, mas vou tentar transmitir o que me levou a, simultaneamente, escrever sobre um atentado ecológico e a pureza cristalina, sabendo, à priori, da impossibilidade de misturar um derramamento de petróleo bruto com a transparência deslumbrante da água.

No dia 23 de fevereiro perfizeram-se 26 anos sobre a morte do autor de “Grândola Vila Morena”. Magoadas, desiludidas e revoltadas pelo beco a que a direita, que Zeca tanto combateu, tem conduzido Portugal, as pessoas cantam a senha, abraçada pelos militares do 25 de Abril, nos atos públicos em que participe algum membro do governo, com destaque, compreensível, para a presença do cada vez mais odiado Miguel Relvas.

Zeca foi um homem íntegro, coerente com os seus ideais, amigo capaz de fazer um concerto com a finalidade de angariar fundos para pagar em tribunal a defesa de quem precisasse do seu auxílio. Poeta, músico e sonhador, dedicou a sua vida à causa da luta contra a opressão e o obscurantismo. Foi preso e espancado por defender a liberdade com música e poesia. É com toda a propriedade um ícone do 25 de Abril que faz qualquer estudante, mesmo o menos sensível, se sentir emocionado.

Não se admire, pois, quem assistir às vaiadas estudantis, e não só, a outro ícone, o “grilo falante” da mentira, do cinismo e da hipocrisia, o “testa de ferro” da corrupção e do favorecimento. Indigna-se qualquer estudante da Universidade pública que queima pestanas, passa noites em claro e sofre de ataques de ansiedade só de pensar que o resultado do seu exame pode ditar um futuro a perder quando se confronta com “canudos” comprados numa qualquer privada em que o maior mérito exigido para ser licenciado é ter quem lhe pague o diploma.

Nada que esteja em contradição com a política deste governo de direita, diga-se em abono da verdade. Para chegar ao poder mentiu “a torto e a direito”, garantindo que conhecia todos os “dossiers”; que nunca desculparia a sua incompetência com desconhecimento de causa; que jamais cairia na estupidez de retirar o Subsídio de Natal aos portugueses; que era impensável sobrecarregar os trabalhadores com mais impostos; que …

Não se admire, portanto, quem ouvir um estudante dizer: “Vai estudar, oh Relvas!”. Os jovens, como disse o Zeca, em 1984, “estão à mercê dum sistema que não conta com eles, mas que, hipocritamente, fala deles… O sistema oprime-os criando-lhes uma aparência de liberdade”. Não é, então, de estranhar a pergunta insistente dum estudante: “Olá Miguel! Vieste hoje às aulas?” 

O Zeca lutou pela liberdade de expressão, pelo direito à justiça; o que Relvas quer é libertinagem de discurso e a imposição unilateral de ideias. Relvas é um psicopata natural, tenta transmitir uma sensação de omnipotência - característica destes indivíduos com traços psicopáticos que consideramtudo lhes ser permitido - agindo somente em benefício próprio e dos seus mandantes sem olhar a meios para alcançar os seus fins. Apesar de por vezes ter a plena consciência das suas intenções – quando disse que dormia mal com os números do desemprego – Relvas não sente culpa. Um psicopata raramente aprende com os seus erros.

Como alguém definiu, “acaracterística do psicopata é não demonstrar remorso algum, nem vergonha, quando elabora uma situação que ao resto dos mortais causaria espanto. Quando é demonstrado o seu embuste, não se embaraça; simplesmente muda a sua história ou distorce os fatos para que se encaixem de novo”. Foi o que fez Relvas - e seus sequazes - vitimando-se por não ter tido condições para falar no ISCTE, como se não tivesse toda uma panóplia de meios de comunicação social a soldo, secundada por uma chusma de comentadores de encomenda que lhe proporcionam todo o tempo de antena que quiser.

O que aconteceu no ISCTE não foium ataque à liberdade de expressão, foi um ponto alto na liberdade de expressão, e dá vontade de dizer que afinal a universidade ainda põe estudantes a pensar e a participar no debate político. Cada um luta com as armas que tem e, como dizia o Zeca, “… a única atitude é aquela que nós tivemos, refiro-me à minha geração, de recusa frontal… inteligente, se possível, até, pela insubordinação, se possível, até, pela subversão do modelo de sociedade que lhes está a ser oferecido...”.