Orgulhosamente tolerantes

Desde que me lembro de interpretar e valorizar conceitos, que me recordo de não gostar do “tolerar”, nem tão pouco de o conjugar. Não gostava de o conjugar no pretérito perfeito, não gostava no presente e tinha receio no futuro, como se o conjugar para um tempo próximo fosse mau presságio.

Quando refiro a minha posição contra a tolerância são diversas as respostas e/ou comentários que ocorrem, no entanto vão todos resumir-se ao mesmo: ao conteúdo de que a tolerância é algo bom, como um comportamento correto, pois é sinal de que se aceitam factos, situações como são. É sinal de que as pessoas vivem em comunidade e que assim são todos orgulhosamente bonzinhos.

Ora, eu sempre me coloquei do lado da intolerância. Faz-me mais sentido ser intolerante face ao que discordo, do que mascarar a minha opinião com uma falsa tolerância. Consentir, permitir, deixar passar só para não ser inconveniente, não fez parte do meu projeto como pessoa, nem faz parte da pessoa que sou. Não concordo, considero mal, prejudica a minha pessoa e outros: intolerância!

E, embora passado um mês, a abstenção para as eleições europeias tenha sido bastante analisada, não posso deixar de mostrar a minha indignação relacionando a tolerância com a abstenção, com o cenário político atual. É impossível não o fazer.

A Europa, aquela que nos parece tão longe, vista e tida como o mealheiro, assistiu a uma abstenção elevadíssima nas suas eleições. 80% de abstenção naquelas decisões que implicam, em muito, o futuro deste arquipélago. Venham de lá os fundos comunitários que a malta agradece. As negociações, as contrapartidas, o que se perde e como se perde não interessa. Venham de lá os fundos! Venham de lá os subsídios!

Existem diversas análises e interpretações acerca da abstenção. A minha perspetiva é a de que os abstencionistas demitiram-se das decisões, colocam nos outros o seu direito e são orgulhosamente tolerantes, pois no dia seguinte são os primeiros a criticar os resultados e a manutenção de políticas que nos arrastam para o desequilíbrio social.

Infelizmente, parece que eu tinha alguma razão quando receava conjugar o verbo tolerar no futuro. Aconteceu mesmo. Eles e elas tolerarão.

Eles e elas toleram. Eles e elas abstêm-se. Eles e elas toleram o que lhes é dado como o mais correto e como o único meio.

Eu mantenho a minha intolerância. Utilizei um recurso disponível (por enquanto) para o demonstrar: o meu voto.