Reparei que tenho escrito dois tipos de textos: uns que expõem a minha visão sobre factos do mundo e outros, mais teóricos, que pretendem pensar a ação humana. Ao fim e ao cabo, são textos pessimistas e otimistas. Hoje quero deixar clara a ligação entre os dois, a continuidade em que parecemos habitar.
É verdade que olhar ao redor não é um exercício leve, provavelmente acarretará a identificação de problemas que assolam o quotidiano dos indivíduos, das famílias, das empresas, das organizações,… Vivemos mergulhados em crises.
As alterações climáticas constituem umas das maiores crises, sendo já possível de constatar o aumento de fenómenos climáticos adversos ao redor do globo, sendo que nos Açores se tem especial preocupação a efeitos como galgamentos oceânicos, cheias rápidas, fenómenos de erosão costeira, deslizamento de vertentes,… Longe de uma história que se conta às crianças, estamos a falar de vidas que ficarão em risco – e que, em bom rigor, já estão. Talvez para os mais jovens esta crise seja particularmente ruidosa: é uma hipoteca do seu futuro.
Ou então a habitação! Como é possível que a taxa de esforço para arrendar uma casa em Ponta Delgada possa ser de 58%?! Em Lisboa é 91%... Os custos continuam a subir com os salários estagnados. Como é possível comprar comida, roupa, material escolar e até mesmo poupar nestas condições?
Como se não bastasse, temos um clima internacional de cortar à faca: entre chantagens financeiras com impactos bem materiais e genocídios, é preciso algum esforço para escrever notícias sensacionalistas – o extraordinário parece que se generalizou, ah! mas é possível inventar climas de suspeição apesar de serem factualmente errados, como em relação aos imigrantes, uma certa comunicação social arranja sempre forma de voltar costas ao importante e desinformar. A ganância e o ódio estão por toda a parte. Os Estados Unidos estão num processo fascizante e deixaram cair o véu eu cobria a oligarquia que eram.
As 10% das pessoas mais ricas do mundo detêm 75% da sua riqueza. As 10% mais ricas de Portugal detêm 60% da riqueza do país – as 50% de pessoas com os rendimentos mais baixos representam 3,5%. As desigualdades estão-se a aprofundar, estando a classe média em processo de extinção. A oligarquia não é uma realidade só nos EUA.
O que vamos dizer aos nossos filhos quando eles nos perguntarem o que fizemos para combater estas crises? Queremos o peso na consciência de admitir que ficámos parados enquanto o seu futuro, a sua qualidade de vida, era roubado? Queremos assumir essa inação perante nós mesmos?
Vamos dizer que vivemos isto, que as sentimos na pele. Sentimos a frustração, e mesmo a raiva, associadas a este retrocesso. E que fizemos o que estava ao nosso alcance para o mudar: desde a mais pura e básica das simplicidades, indo votar, às ações mais complexas, como a manifestação e a greve. Parados é que não.
Vamos dizer que não foi difícil ver no mundo terreno propício ao pessimismo, um convite ao cinismo. Contudo, a única utilidade dessa visão foi a de identificar as brechas que precisavam de tratamento.
Vamos dizer que do olhar negativo da raiva percebemos aquilo que estava estruturalmente errado e construímos com melhores alicerces.
Estas próximas eleições ainda não serão capazes de chegar aos alicerces, mas poderão, se as açorianas e açorianos assim decidirem, começar esse trabalho ao mesmo tempo que se estancam os problemas (por exemplo, com tetos às rendas).
Tenhamos a coragem de exigir a dignidade que merecemos e mudar de vida.