“Que coisa espantosa é um livro. É um objeto plano feito de uma árvore com partes flexíveis nas quais estão impressos muitos rabiscos escuros engraçados. Mas basta olharmos para ele para entrarmos na mente de outra pessoa, talvez morta há milhares de anos. Através dos milénios, um autor está a falar clara e silenciosamente dentro da sua cabeça, diretamente para si. A escrita é talvez a maior das invenções humanas, ligando pessoas que nunca se conheceram, cidadãos de épocas distantes. Os livros quebram os grilhões do tempo. Um livro é a prova de que o ser humano é capaz de fazer magia.” Muitas são as citações que podia trazer sobre os livros e a leitura, esta é de Carl Sagan (in «Cosmos»). Para ela ficar irrepreensível, só faltava, mencionar a ligação do espaço – ele separa-nos tanto como o tempo (em última instância, até porque o próprio movimento decorre no tempo). Sucintamente, a leitura abre a mente, qualquer uma é um convite para um novo mundo. Isso coloca-a na pureza da cultura: é o tratar de algo que desabrocha. Mesmo os romances que se fala mal para dar a entender que se é um erudito exigem da nossa parte criatividade para ver a ação. Outros formatos como os filmes e as séries correm o risco de, por nos dar uma imagem, nos tirar a necessidade de criar, esse empurrão que podia ser necessário para pensar o que está a ser dito ou feito e levar a algo que nos acompanhará, mesmo que latentemente. O que não quer dizer que tudo o que tem imagem está em perda, antes pelo contrário, é capaz de abrir caminhos que a leitura não abre (olhar para um quadro ou ler uma história levam a questões distintas). Ao fim e ao cabo, tudo aquilo que se seguirá pode ser expandido para as outras expressões estéticas.
Se a leitura é assim tão fascinante, porque parece motivar tão pouco na escola? Não são raros os comentários de quem desdenha a Educação Literária em Português, considerando-a inútil. Bem, inútil obviamente que não será, por tudo aquilo que já disse antes, aquilo que me imporá questionar é, sobre o que se lê? O programa do secundário está feito para abordar cronologicamente as grandes obras da língua portuguesa (na sua esmagadora maioria, daquelas portuguesas). Camões, Eça, Pessoa, Saramago, além de outros, são importantes eixos da Educação Literária [1]. Todos os estudados são escritores geniais, vale a pena experimentar a sua leitura e perceber um pouco da sua obra. Mas para alguém que não está predisposto a ler, ganhará motivação? Depende. Se se identificar com algo, seja o tema ou a escrita, talvez até catalisado por se identificar com a biografia do autor, aí provavelmente ficará motivado.
É preciso diversificar as leituras na EL: note-se desde logo o número extremamente reduzido de mulheres, por exemplo; note-se sobre os ambientes que escrevem. As circunstâncias parecem-nos muito distantes. É aqui que entra uma sugestão: vamos trazer autores regionais e locais para estudar [2]. Nos Açores temos tantos autores e tão bons. Nas últimas semanas, por exemplo, li toda a obra poética editada do padre Serafim Chaves, absolutamente magnífica. Autores com quem mais facilmente nos identificamos por terem referências que nos são familiares. Mais, autores que nos mostram como há muitos mais bons autores do que julgamos. Não o façamos, contudo, como um bairrismo bacoco, é o oposto, é abertura e partilha – e liberdade das escolas, dar autonomia, dignificando.
Tu também podes ler, tu também podes escrever. Tu também podes criar, tu também podes ser.
[1] https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ficheiros/programa_metas_curr...
[2] https://edu.azores.gov.pt/lista-de-livros-recomendados-prl/