…”À presença, já existente e continuada, de uma diferente escala nas operações urbanísticas de construção, junta-se a modificação do desenho e da escala das infra-estruturas rodoviárias que, aplicadas aqui como num grande espaço, deformam, seccionam e comprometem as relações entre os vários trechos de paisagem, desprezam a escala e os equilíbrios entre o desenho do território cultamente agricultado e as construções que nele se integram e explicam.”…
José Charters Monteiro, arquitecto.
In “Arquitectura assim ou ao contrário?”
José Charters referia-se como as novas intervenções nos Açores, especialmente na cidade de Ponta Delgada, onde a utilização de diferentes escalas inadequadas ao território pequeno e frágil, o seccionaram comprometendo as relações entre os seus diversos trechos de paisagem adulterando-o significativamente.
Como referi no meu último escrito, os novos traçados rodoviários abriram ao longo do seu percurso um conjunto de cicatrizes, que carecem de reabilitação, sob pena de não sararem.
Como se não bastasse, estes novos modelos importaram consigo todo um conjunto de painéis publicitários, abonatórios de um sem número de negócios, mas redutores da paisagem.
Na nossa tendência para a asneira, alguém terá mesmo pensado que aqueles painéis seriam uma forma de cicatrizar aqueles espaços laterais às vias. Distraindo-nos constantemente, não repararíamos no resto… talvez, e com tanta coisa do género, que se ouve por aí, não custa a acreditar…
Não bastavam as cicatrizes deixadas por aqueles traçados, como houve que as sublinhar através daqueles painéis, daqueles adereços, que em inusitado numero, se distribuem de um e do outro lado das vias, como se de uma árvore de natal se tratasse.
A quantidade pelo excesso, a má qualidade do seu desenho gráfico e as despropositadas implantações, redundaram em significativa poluição visual, que na quase totalidade dos casos é desqualificadora da paisagem natural ou urbana onde estão inseridos.
A obstrução de elementos naturais significativos, em favor de imagens pouco dignificantes, onde a constante apresentação de superfícies brancas, ou cinzentas quando deixam ver o suporte de lata, ou tiras de papel esvoaçantes, ou mesmo já só a estrutura que foi suporte de qualquer coisa, constitui um espectáculo dispensável, a que não devíamos nem queríamos ter direito.
Na paisagem urbana a preferência para o destempero vai para as rotundas, cuja envolvente se forra ou delimita com painéis, num cenário inqualificável.
A pequena dimensão, a fragilidade do território e a rara qualidade da sua paisagem natural, na preservação da sua qualidade ambiental e paisagística, recomendaria que sobre ela não se actuasse de qualquer modo. Mas não é assim que fazemos!
Hoje, com os meios técnicos de que dispomos, que nos assistem, é fácil ensaiar virtualmente toda e qualquer solução, permitindo-nos verificar dimensões, posições, quantidade e frequência, de modo a evitar obstruções e a poluição a que se assiste, mesmo que gratificante para as entidades mentoras, pelos resultados financeiros das aplicações das taxas de exploração dos painéis.
Ao excesso de espaços de habitação, de hotelaria, de escritórios e de lojas, junta-se o de painéis de publicidade, também eles contribuintes para o pacote de devolutos, agentes poderosos da desqualificação do território.
Se será complexa, mas indiscutível a reabilitação da Zona Histórica de Ponta Delgada, do Espaço Público, que desqualificado ou inexistente pontua o território, dos vazios urbanos que marcam as franjas litorais da Cidade, das cicatrizes que bordejam as novas vias e urbanizações, a eliminação de painéis será de todas a mais fácil, da qual a paisagem sairia, por beneficiada, agradecida.
Este caos a que em abono de quaisquer negócios, se remeteu a paisagem de S. Miguel em geral, e de Ponta Delgada em particular, trouxe-me à memória, no reverso da medalha, quando determinada publicidade, neste caso a dos vinhos Osborne, pela sua qualidade passou a ser um símbolo, a fazer parte do território, da paisagem de Espanha.
Para quem alguma vez viajou, antes de 1988, de automóvel ou de comboio por Espanha, lembrar-se-á da silhueta de touro, em preto que acolá ou além pontuava a paisagem, o horizonte, publicitando as bebidas Osborne.
Era obra do designer Manolo Prieto, que em 1956 (!) desenhou para a Osborne esse Touro Preto, que passou mediante localizações muito bem estudadas, como de relojoaria se tratasse, a pontuar a paisagem espanhola, enquanto publicidade àquelas bebidas.
A Sandeman tentaria depois com uma silhueta humana de capote e copo ao ombro, qualquer coisa de parecido, mas cujo resultado não se lhe comparava.
O Touro Preto era sem dúvida uma referência na paisagem rural espanhola.
Em 1988, a legislação espanhola proíbe a publicidade na estrada, e o Touro Preto da Osborne, no cumprimento daquela legislação, tinha que ser removido.
Mas o Touro tinha atingido um inegável interesse social, cultural e artístico, tendo ultrapassado o seu sentido inicial de publicidade, para se ter integrado na paisagem espanhola e passado a constituir um símbolo.
Por isso, a ordem de retirada originou um enorme movimento popular de contestação em defesa da preservação do Touro Preto na paisagem.
A lei, ao retirar um elemento que assumidamente fazia parte da paisagem truncava-a, a paisagem ia ficar diminuída, razão de ser do movimento popular que se gerou em sua defesa.
Aqui os adereços dispersos, por sobreposição, truncam a paisagem porque a ela se substituem, subvalorizam-na e maltratam-na com o nosso consentimento.
Onde pára o conceito tão apregoado “Açores paisagem intocada”?
E se defendêssemos a nossa impar paisagem exigindo o controlo dessa dispersão de painéis que lhe foram espetados, e para a sua maioria a simples eliminação?